### PONTOS CHAVE
- As taxas de mortalidade de pacientes com DRC em diálise submetidos a procedimentos eletivos são maiores do que a população geral (3% vs 0,5%), mesmo considerando procedimentos de pequeno porte.
- Este estudo publicado no JAMA sugere que um maior intervalo de tempo entre sessões de hemodiálise e procedimentos cirúrgicos pode ser um fator de risco modificável para pacientes com DRC em HD submetidos à cirurgia.
- A explicação é que um melhor controle metabólico e volêmico dos pacientes se associa com menores taxas de complicações.
- Medidas como reorganizar o cronograma da diálise e indicar uma sessão de diálise adicional (antes ou no dia do procedimento) são medidas uteis para reduzir possíveis complicações.
### QUAL A IMPORTÂNCIA DESTE TEMA?
Você está de plantão na sexta-feira pela manhã e o seu paciente, após 1 ano na fila de espera, recebe a informação que a cirurgia dele de hernia inguinal bilateral foi marcada para a segunda feira pela manhã.
Como você faz para organizar a diálise deste paciente? Faz extra no sábado? Faz após o procedimento na própria segunda feira após alta? Realiza no Hospital após a cirurgia? Pede para cancelar e agendar para a tarde???
Quem nunca passou por esta situação.... Afinal de contas, há diferença na mortalidade destes pacientes a depender do tempo da última diálise até a cirurgia?
Ou melhor, existe uma associação entre o tempo de hemodiálise pré-operatória em relação à cirurgia e a mortalidade pós-operatória em pacientes com doença renal terminal que são tratados com hemodiálise?
Foi isso que este estudo tentou responder.
## RESUMO DO ESTUDO
**Estudo**: Association Between Preoperative Hemodialysis Timing and Postoperative Mortality in Patients With End-stage Kidney Disease ([link](https://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/2798071))
**Revista**: JAMA, publicado em 03 de Novembro de 2022
Trata-se de um estudo de **coorte retrospectivo**, cerca de 1.1 milhão de pacientes portadores de DRC em hemodiálise regular (3x por semana) que realizaram cirurgias eletivas e que eram beneficiários do Medicare.
Os pacientes foram classificados em intervalos de 1, 2 ou 3 dias entre a realização da última diálise e o procedimento cirúrgico. **O desfecho principal era a mortalidade dos pacientes em 90 dias após o procedimento cirúrgico eletivo**.
De todos os procedimentos realizados, 65,4% tiveram intervalo de 1 dia entre a hemodiálise e a cirurgia, 24,9% intervalo de 2 dias e 9,7% de 3 dias.
As categorias de procedimentos mais comuns foram: injeções de drogas remoção de fluidos intraoculares (19,6%), procedimentos no acesso para hemodiálise (19,0%), procedimentos vasculares que não incluem cabeça ou pescoço (12,7%), procedimentos de lente intraoculares e catarata (10,7%) e desbridamento de feridas, infecções ou queimaduras (8,6%).
Uma sessão de **hemodiálise adicional no dia do procedimento** ocorreu em 16,8% dos pacientes e destas 1,7% tiveram um intervalo de 1 dia entre a hemodiálise e a cirurgia, 59,8% tiveram intervalo de 2 dias e 38,5% um intervalo de 3 dias.
**Desfecho principal – Mortalidade em 90 dias**
A mortalidade pós-operatória em 90 dias após o procedimento ocorreu em 34.944 pacientes (3,0%) e foi **significativamente maior com intervalos mais longos de hemodiálise e o procedimento**, assim como, quando avaliado no intervalo de 14 dias após o procedimento.
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Na análise ajustada, pacientes com intervalos mais longos entre a hemodiálise e o procedimento apresentaram maior risco de mortalidade em 90 dias e **quanto maior o intervalo maior o risco:**
- 2 dias _vs_ 1 dia: HR 1,14 \[95% CI, 1,10 a 1,18\];
- 3 dias _vs_ 1 dia: HR 1,25 \[95% CI, 1,19 a 1,31\];
- 3 dias _vs_ 2 dias: HR 1,09 \[IC 95%, 1,04 a 1,13\];
Os pacientes que realizaram diálise no mesmo dia do procedimento apresentaram menor mortalidade pós-operatória em 90 dias (HR ajustada, 0,88 \[95% CI, 0,84-0,91\]) quando comparados com aqueles que não fizeram.
Os pacientes com intervalo de 2 dias entre hemodiálise e o procedimento que também realizaram diálise no mesmo dia, apresentaram mortalidade semelhante àqueles com intervalo de 1 dia. No entanto, os pacientes com intervalo de 3 dias entre a hemodiálise e o procedimento cirúrgico que também realizaram diálise no dia da intervenção, a mortalidade foi significativamente maior do que os pacientes que realizaram no intervalo de 1 dia, conforme demostrado na tabela abaixo:
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Por fim, na análise de subgrupos, houve diferenças entre os tipo de procedimentos cirúrgicos e o calendário da diálise com o desfecho principal. Pacientes com intervalo de 3 dias da seg/qua/sex apresentaram maiores riscos do que aqueles com intervalo de 3 dias da ter/qui/sab.
**Pontos interessantes**
Quando a HD foi realizada no dia do procedimento, essa associação não foi mais observada quando o intervalo foi de 2 dias entre a hemodiálise e o procedimento, e foi atenuada quando o intervalo de foi de 3 dias. Cerca de 36% dos procedimentos no estudo tiveram intervalo de 2 ou 3 dias da HD para procedimento, e 52% de os pacientes submetidos a esses procedimentos não faziam hemodiálise no dia do procedimento.
A HD no mesmo dia foi associada a menor mortalidade, o que também é consistente com a hipótese de que o tempo de hemodiálise pode influenciar os resultados pós-operatórios para pacientes com DRC em diálise.
A implementação da HD no mesmo dia pode ser mais viável do que reorganizar agendas lotadas de hemodiálise e a cirurgia, principalmente porque **os intervalos de 2 dias entre a HD e o procedimento foram mais comum em pacientes escalados nas terças, quintas e sábados.**
Pequenos procedimentos são comuns em pacientes com DRC e mesmo pequenas alterações no risco absoluto podem ser significativos, especialmente em uma população que apresenta morbidade e mortalidade desproporcionalmente altas.
Os procedimentos cirúrgicos provavelmente exacerbam um delicado equilíbrio dos pacientes com DRC em diálise, tornando o intervalo entre a hemodiálise e o procedimento uma consideração importante no manejo perioperatório.
Isso pode ser verdade mesmo para procedimentos menores, uma vez que taxas de mortalidade publicadas na população geral são 0,5% em comparação com 3,0% relatados para os pacientes com DRC em diálise.
**Limitações a serem consideradas**: 1-Os resultados podem não ser generalizável para pacientes com DRC em HD sem que não seja do Medicare. 2-Por se um estudo observacional e retrospectivos diversos vieses de confusão residual devem ser considerados. 3-Fatores como dose de hemodiálise ou a urgência do procedimento não foram avaliados. 4-Este estudo não conseguiu identificar características da sessão de hemodiálise após a cirurgia que também pode estar associada a taxas de mortalidade.
## OPINIÃO NEFROATUAL
Esta coorte retrospectiva de pacientes com DRC tratados com HD que foram submetidos a procedimentos cirúrgicos demonstrou associação tempo-dependente entre um intervalo mais longo de hemodiálise para cirurgia procedimento e aumento da mortalidade pós-operatória em 90 dias.
Esses achados sugerem que o tempo **de hemodiálise pode ser fator de risco modificável para pacientes com DRC em HD submetidos à cirurgia.**
Os procedimentos cirúrgicos são comuns nos pacientes com DRC em HD e estes estão sujeitos à maiores morbidades perioperatórias. Desta forma, sugerimos a realização de diálise no dia anterior ou antes do procedimento para que haja o melhor controle metabólico e volêmico dos pacientes. Esta conduta é simples na teoria, mas de difícil realização na prática devido às contingências e lotação das clínicas de diálise. Mas deve ser tentado.
**No caso do paciente do início do texto, algumas opções são viáveis:**
- Diálise extra no sábado para controle metabólico e orientação quanto a dieta e cuidados no domingo que precede o procedimento
- Realização de 2h de diálise na segunda feira para controle metabólico e volêmico parcial antes do procedimento (**sem heparina**)
- Não devemos realizar cirurgia e no maior intervalo interdialítico sob o risco de complicações perioperatórias
- Avaliar a bioquímica no pós-operatório para decidir sobre a diálise no mesmo dia do procedimento
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