### PONTOS CHAVE
- A passagem de um cateter venoso central é rotina para a maior parte dos nefrologistas.
- A realização do procedimento em pacientes com plaquetopenia severa se associa com elevado risco de complicações hemorrágicas.
- Este estudo tentou demonstrar a não inferioridade de se realizar a passagem de um CVC guiado por ultrassonografia em pacientes com plaquetopenia sem transfusão profilática de plaquetas.
- Não foi mostrado a não inferioridade de uma estratégia mais conservadora, isto é, transfundir plaquetas de forma profilática reduz o risco de sangramento relacionada a passagem do CVC.
- Estudo muito interessante que avaliou risco de sangramento com diversos tipos de cateter (regular, diálise, tunelizado e não-tunelizado) e diversos sítios de punção (VJ, VSC e VF).
- Plaquetopenia (10.000-50.000/mm³) devemos ter uma abordagem individualizada, porém devemos considerar transfusão profilática se níveis de plaquetas < 30.000/mm³, especialmente se outros fatores de risco para sangramento.
### IMPORTÂNCIA DO ESTUDO
A passagem de um cateter venoso central (CVC) é um procedimento invasivo necessário para administração de drogas vasoativas, soluções hipertônicas irritantes, nutrição parenteral, monitorização hemodinâmica e hemodiálise.
Quase 20% dos pacientes internados são submetidos a passagem de um CVC, esse número pode ser ainda maior em uma unidade de UTI/hematologia, em que os pacientes frequentemente possuem plaquetopenia.
Sangramento é uma complicação importante após passagem de um CVC em pacientes com plaquetopenia, existem protocolos de transfusão de plaquetas antes do procedimento, porém não existem evidências clínicas que orientem ou padronizem esta conduta.
Na prática clínica acabamos adotando um limiar entre 20-50.000 plaquetas/mm³ para indicar transfusão antes da passagem de um CVC.
Preditores importantes de sangramento que devemos considerar são: experiência do operador e uso de USG para guiar a passagem do CVC.
Estudos retrospectivos indicam que em pacientes com menos ode 20.000 plaquetas/mm³ a passagem de CVC guiada por USG é segura, sem obrigatoriedade de transfusão de concentrado de plaquetas (CP).
Além disso, devemos lembrar das complicações relacionadas aos hemoderivados: injúria pulmonar, hipervolemia, infecção e aloimunização. Além disso os hemoderivados são recursos caros e escassos.
A pergunta do estudo **PACER trial** foi a seguinte, em pacientes com plaquetopenia (10.000-50.000 plaquetas /mm³) é necessário a transfusão de CP antes da passagem de um CVC guiado por USG para prevenir complicações?
## RESUMO DO ESTUDO
Estudo randomizado de não inferioridade realizado em 10 unidades de hematologia e UTI na Holanda No período de 2016-2022.
Foram analisados um total de 393 pacientes que foram randomizados (1:1) para receber ou não uma unidade de plaquetas antes da passagem do CVC.
- Grupo com transfusão profilática, n=197
- Grupo sem transfusão profilática, n=196
A **passagem do CVC foi guiado por USG e realizado por um operador experiente (>50 procedimentos).** Realizado análise intention-to-treat.
Foram incluídos cateter tunelizados e não tunelizados, de qualquer diâmetro e em qualquer sítio (jugular, subclávia ou femoral).
Realizado estratificação tipo de cateter (cateter regular ou cateter de diálise)
**Foram incluídos** pacientes apresentavam plaquetopenia (10.000-50.000/mm³) 24 horas antes do procedimento. **Foram excluídos** pacientes em uso de anticoagulantes, INR ≥ 1,5 (de forma espontânea) ou outros distúrbios de coagulação.
Graduação do sangramento relacionado ao CVC
Grau 0: sem sangramento
- Grau 1: sangramento em babação/hematoma, resolução com 20 min de compressão.
- Grau 2: sangramento com necessidade de intervenção, necessidade compressão > 20 min de compressão.
- Grau 3: sangramento com necessidade de transfusão de sangue, intervenção radiológica ou intervenção eletiva, mas sem instabilidade hemodinâmica.
- Grau 4: sangramento com instabilidade hemodinâmica.
**Objetivo primário foi a ocorrência de sangramentos grau 2 a 4 em até 24 horas do procedimento.**
Características basais dos pacientes: Hb 8,2 g/dl, Contagem de plaquetas 30.000/mm³ (10.000-38.000), INR 1,1 IMC com mediana de 25,3, aproximadamente 17% foram cateter de diálise e cerca de 10% foram cateteres tunelizados. Sítio de punção VJ~ 50%, VSC~38% e VF~12%
**Resultados**
Sangramento relacionados ao cateter grau 2-4 foram mais frequentes no grupo que não receberam transfusão (11,9% vs. 4,8%), a não inferioridade da estratégia de não realizar transfusão profilática não foi alcançada, sendo observado um RR 2,45 (IC 90% 1,27-4,7).
Como esperado, o risco de sangramento grau 2-4 foi maior quanto mais grave a plaquetopenia.
Não foram relatados sangramento grau 4 e o risco de sangramento grau 3 ou 4 foi menor no grupo que recebeu transfusão (2,1% vs. 4,9%)
A necessidade de transfusão de concentrado de hemácias (CH) foi igual entre os grupos, porém o grupo que não recebeu CP teve maior necessidade de transfusão de CH relacionada ao sangramento do CVC (16 vs. 6).
O grupo que não recebeu CP profilático acabou recebendo mais transfusões de CP nas 24 horas após procedimento.
Foi observado um total de 15 eventos adversos, 13 foram grau 3 (necessidade de transfundir CH), 04 no grupo transfusão e 09 no grupo sem transfusão. Em relação a complicações relacionadas as transfusões, foram descritas 03 reações alérgicas e 01 caso de injúria pulmonar.
Não foi observadas diferenças quanto ao tipo de cateter (tunelizado vs. não-tunelizado) ou tipo de internação (UTI vs. unidade de hematologia).
Em relação a análise de custos totais (sangramentos e transfusões) foi observado maior custo no grupo que recebeu transfusão (diferença entre grupos de $ 410 por passagem de cateter). No entanto, os custos com transfusões para tratamento de complicações nas 24 horas após a passagem do CVC foram maiores no grupo que não recebeu CP profilático.
## OPINIÃO NEFROATUAL
Este foi um estudo muito necessário que mostrou que pacientes com plaquetopenia severa que serão submetidos a passagem de um CVC guiado por USG a transfusão de concentrado de plaquetas de forma profilática se associou com **menor risco de sangramento**.
Como esperado, quanto menores os níveis de plaquetas maior é o risco de sangramento, logo, é necessário garantir um limiar de plaquetas para prevenir sangramentos.
O valor isolado do nível de plaqueta não seja um bom preditor de diferenciar quem vai ou não ter mais sangramento, porém foi possível identificar os pacientes com maior risco de sangramento:
- Plaquetas < 20.000qmm³
- Cateter tunelizado
- Paciente em unidades hematológicas
Nestes pacientes devemos ter um maior rigor em indicar a transfusão profilática de CP. Pois o risco de sangramento é mais elevado e posteriormente vai acabar existindo a necessidade de transfusão de qualquer forma.
O custo relacionado a transfusão profilática de CP deve ser lembrado ao se recomendar o uso rotineiro, além disso, devemos considerar as questões logísticas, tempo de meia vida das plaquetas e disponibilidade.
Uma outra estratégia a ser adotada pode ser a não realização de transfusão profilática de CP, porém **vigilância ativa após passagem do CVC** e proceder com transfusão sempre que ocorrer um sangramento importante.
Deve ser considerado que boa parte dos pacientes do grupo sem transfusão que possuíam plaquetopenia entre **10.000-30.000/mm³** acabou recebendo plaquetas nas 24h pós CVC. Logo, **se os níveis de plaqueta estão em queda e clinicamente o paciente vai acabar necessitando da transfusão, é melhor transfundir antes do procedimento, será mais benéfico ao paciente.**
Nós devemos considerar a transfusão profilática de CP caso uma plaquetopenia mais severa (menor que 30.000/mm³), especialmente se pacientes em unidades hematológicas e naqueles pacientes que provavelmente irão necessitar de transfusão dentro das próximas 24 horas. Bem como nos que serão submetidos a passagem de CVC tunelizado.
Podemos ser mais conservadores em pacientes em UTI que estão sendo monitorizados de forma intensiva e ter um baixo limiar de transfusão caso ocorra sangramentos.
Devemos sempre considerar o risco de sangramento a beira leito, avaliar outros indicadores que podem dificultar nossa punção como obesidade, avaliar como está o INR e se existem sinais de dificuldade ao exame ultrassonográfico, nesses casos é melhor ser mais conservador e realizar a transfusão profilática.