Artigo de revisão publicado no Kidney International Reports ([link](https://www.kireports.org/article/S2468-0249(22)01816-2/fulltext))
A Glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF) é atualmente entendida como um padrão de lesão glomerular e não uma doença. Ou seja, quando identificamos este achado histológico em uma biópsia renal significa apenas o início de um processo que tem como objetivo a identificação de um causa subjacente específica e, eventualmente, tratável.
Desta forma, para tomarmos decisões sobre o tratamento de forma mais apropriada devemos nos basear na classificação desta entidade clínica.
Atualmente, a classificação baseia-se na integração entre a história clínica, o resultados laboratoriais, da biópsia renal e dos resultados de testes genéticos. Assim, podemos dividir a GESF em 4 categorias:
- **Imunológica**, por se tratar de um provável fator circulante de permeabilidade (definido como primária);
- **Secundária** a um processo sistêmico conhecido por causar GESF (incluindo GESF mal adaptativa, viral ou induzida por drogas);
- **Genética**, aquelas causadas por uma mutação genética em um podócito ou em uma proteína da membrana basal glomerular
- I**ndeterminada** que são aquelas que ocorrem na ausência de uma causa identificável, mas parecem não estar relacionados a uma fator de permeabilidade circulante.
Sabemos que na teoria parece fácil, mas na prática temos muitas dúvidas e pacientes que apresentam a forma indeterminada podem ter causas genéticas ou secundárias não identificadas. Outro complicador é que as alterações histológicas na microscopia óptica não distinguem essas categorias e muitas vezes a microscopia eletrônica não é disponível.
### ALGUMAS CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS PODEM DIFERENCIAR PADRÕES
Pacientes com GESF primária geralmente apresentam proteinúria de início abrupto e síndrome nefrótica evidente com apagamento difuso do processo podocitários na microscopia eletrônica.
A glomerulomegalia é muito comum na GESF secundária à obesidade, nefropatia de refluxo, e indivíduos com baixo peso ao nascer, mas também pode ser observada na doença primária.
A GESF genética pode ter variação clínico-patológicas, mas é mais comum em pacientes com história familiar de doença glomerular e naqueles resistentes a glicocorticoides.
### TRATAMENTO DE ACORDO COM O KDIGO
O KDIGO atualizado em 2021 recomendam o tratamento de suporte para todos os pacientes com proteinúria persistente com o **uso de IECA/BRA**, **controle da pressão arterial e restrição de sódio na dieta**. Embora o bloqueio do RAAS reduza proteinúria em pacientes com GESF, outros agentes são necessários para atingir a remissão sustentada.
O KDIGO também recomenda que pacientes com características clínicas e histológicas de GESF primária, incluindo a **presença de síndrome nefrótica, deve ser tratado com imunossupressão** (inicialmente com altas doses de glicocorticoides) como terapia de primeira linha. Pacientes que não respondem aos glicocorticoides ou aqueles com contraindicação ao seu uso são tratados com inibidores da calcineurina.
O **uso dos iSGLT2** emergiu como uma atraente classe de agentes de suporte usada em conjunto com inibidores do SRAA para todo o espectro de proteinúria na doença renal. No entanto, estudos futuros serão necessários para definir melhor o benefício dos iSGLT2 na GESF. Uma classe de drogas que pode ser considerada para terapia de suporte é a dos antagonistas dos receptores de mineralocorticóides não esteróides. Esses agentes têm propriedades anti-inflamatórias e antifibróticas. O principal agente é a finerenone (agora aprovada pelo FDA para doença renal diabética)
Terapias alternativas como micofenolato mofetil, ACTH ou rituximabe, têm sido usados ao longo do tempo com diferentes graus de sucesso, mas sua eficácia ainda é discutível e, portanto, não foram incluídos nas diretrizes atuais. Terapias extracorpóreas, como plasmaférese, imunoadsorção e aférese podem ter um papel como terapia adjuvante para pacientes que não respondem a esteróides e outros agentes imunossupressores.
Para aqueles pacientes com GESF secundária, o tratamento é focado na condição subjacente.
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### TERAPIAS EMERGENTES PARA TRATAMENTO DA GESF
Apesar dos avanços da pesquisa translacional e do aumento conhecimento sobre a patogênese da GESF, ainda faltam terapias direcionadas e as estratégias de tratamento não mudaram significativamente nas ultimas décadas.
No entanto, recentemente houve um aumento notável em terapias emergentes visando cascatas de sinalização patogênicas definidas. Um resumo de ensaios clínicos recentes e em andamento para GESF são fornecidos na Tabela 1 assim como a data até o final do estudo.
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Na figura 2 abaixo, estão descritas as mais diversas opções terapêuticas de acordo com seu mecanismo de ação e classe.
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Gostariamos de dar destaque aos **inibidores de endotelina-1** que já se mostraram benéficos de forma sinérgica quando utilizada com os IECA/BRA. Esta classe de drogas age reestruturando o citoesqueleto podocitário. O **Sparsentan** e **Atrasentan** são as drogas mais estudadas atualmente
Em março de 2023 foi publicado no New England Journal of Medicine artigo que utilizou o **Inaxaplin** que inibe a função do canal APOL1 presente como alelo de risco para progressão da GESF.
## OPINIÃO NEFROATUAL
A GESF ainda é um padrão histológico de difícil tratamento e com prognóstico renal ruim. Muitos efeitos colaterais dos corticoides, GESF genética não diagnosticada e causas secundárias que se apresentam de forma subnefrótica são os grandes desafios para o tratamento deste padrão histológico.
Felizmente, a nova classificação separou estas condições de mesmo padrão histológico e o entendimento da fisiopatologia permite o uso de drogas direcionadas para o tratamento.
Dentre todas as classes de drogas, penso que as mais promissoras são: os **inibidores de endotelina-1** (que já está sendo testado em maiores trials e que tem mostrado redução de proteinúria em outras glomerulopatias como na IgA), os **iSGLT2** que já temos disponível no mercado como agente anti-proteinúrico e o **Inaxaplin** que em estudos fase 2 se mostraram potentes em reduzir proteinúria via APOL1.
Quem sabe em um futuro próximo consigamos diagnosticar de forma mais precisa e termos drogas melhores para tratar a GESF?
Assim todos nós desejamos!