### PONTOS CHAVE
- Apesar dos inúmeros benefícios para pacientes em hemodiálise, a FAV para hemodiálise é um fator de risco conhecido de remodelamento cardíaco em transplantados renais.
- Existem estudos randomizados que demonstraram redução do remodelamento cardíaco após ligadura profilática da FAV pós transplante renal
- Devemos ficar atentos nas alterações clínicas (insuficiência cardíaca/hipertensão pulmonar), ecocardiográficas e fluxo da FAV (> 1500ml/min) para avaliar ligadura de FAV em pacientes com enxerto renal que possuam função renal estável.
- Se paciente transplantado renal possuir função estável e elevado risco de disfunção cardíaca, devemos avalair risco benefício e considerar ligadura da FAV.
- Apesar de ser uma decisão difícil devemos constantemente avaliar estratégias de reduzir risco cardiovascular nesta população.
**Artigo de revisão** **Optimizing Arteriovenous Fistula Care in Kidney Transplant Recipients: A Complex Task publicado no CJASN (publicado em 03 de maio de 2023)**
A fístula arteriovenosa (FAV) é o acesso preferido para hemodiálise devido superioridade relacionado a duração, menores taxas de infecção e mortalidade quando comparado a enxertos e cateteres venosos centrais. Logo, nefrologistas devem realizar todos os cuidados de avaliação e intervenção para preservação da patência de uma FAV.
Apesar disso, em transplantados renais existem evidências de que a FAV se associa cpom remodelamento cardíaco e aumento do risco de insuficiência cardíaca (~18% em 3 anos). Como doença cardiovascular é uma causa importante de morte em transplantados renais, esforços devem ser feitos para avaliar pacientes em que devemos considerar ligadura da FAV a fim de melhorar prognóstico cardiovascular.
**Impactos da FAV no remodelamento cardíaco**
O remodelamento cardíaco parece ser consequência da redução da pressão arterial média e de uma hipoperfusão tecidual com hiperativação do sistema simpático e renina-angiotensina-aldosterona. Ocorre também um aumento do retorno venoso com hipertensão pulmonar, hipertrofia cardíaca e redução da fração de ejeção ao longo do tempo.
A presença de uma FAV preemptiva na DRC avançada se associa como um importante fator de risco para insuficiência cardíaca. Seis meses após criação de uma FAV é descrito um aumento de massa de ventrículo esquerdo (~13%) e aumento do débito cardíaco (~25%). Devido inúmeros fatores confundidores não conseguimos ver isso nos pacientes em diálise.
**Ligar a FAV pode reduzir o risco de remodelamento cardíaco no pós transplante?**
Estudos randomizados e controlados sugerem que a ligadura de uma FAV após o transplante pode reverter o remodelamento cardíaco. Rao et al ([link](https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/CIRCULATIONAHA.118.038505?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed)) randomizou 64 pacientes que possuíam função estável após 12 meses do transplante renal e mostrou uma redução de massa de VE de 22,1g (p<0,001) e índice de massa de VE 11,8g (p<0,001), bem como melhora de volume atrial, NT-proBNP e volume sisto-diastólico.
Em outro estudo Hetz et al ([link](https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7592949/)) randomizou 28 pacientes que possuíam uma FAV com fluxo > 1500 ml/min e procedeu com ligadura profilática de FAV (imediatamente após o transplante renal) para avaliar se essa estratégia reduziria o risco de insuficiência cardíaca _de novo_. Foi observado uma taxa de insuficiência cardíaca atribuída a FAV de alto débito em 5 de 13 pacientes (38,5%) e nenhum do grupo controle em 24 meses de seguimento.
**Estratificação de riscos**
Devemos ficar atentos para estratificar quais pacientes transplantados renais que estão sob maior risco de evoluírem com insuficiência cardíaca utilizando informações do **ecocardiograma e USG doppler da FAV**.
Informações do ecocardiograma como _Global longitudinal strain_ (GLS) permite detectar de forma precoce disfunção sistólica, mesmo se FE% normal, este é um dos primeiros parâmetros impactados.
Avaliando o fluxo de sangue pela fístula, inúmeros estudos têm mostrado que um fluxo >1500 ml/min é um fator de risco importante para disfunção cardíaca.
Pode ser feito uma razão entre fluxo da fístula (Qa) pelo débido cardíaco (CO), um Qa/CO >33% indica um alto risco de disfunção cardíaca.
**Recomendação de como manejar FAV em transplantados renais**
O mais importante será avaliar se o enxerto renal está estável e se a ligadura da FAV poderá trazer um benefício cardiovascular, portanto, devemos ficar atentos em sinais de **insuficiência cardíaca** e **hipertensão pulmonar**.
É recomendado a realização de um USG doppler da FAV e ecocardiograma após 6-12 meses do transplante renal para avaliar a ligadura profilática da FAV.
Deverá ser feito uma avaliação multidisciplinar (nefrologista, cardiologista e cirurgião) a fim de se estabelecer o risco benefício: risco cardiovascular, expectativa do enxerto e histórico vascular).
O risco benefíci de maioo deve ser estabelecidos com as seguintes informações (**checar fluxograma do artigo logo abaixo**):
**1-Função do enxerto renal está estável?**
- TFGe > 30 ml/min/1,73m²
- Sem declínio > 10 ml/min por 6 meses
**2-Consequências cardiovasculares importantes?**
- Insuficiência cardíaca persistente por >3 meses após o transplante
- Fluxo da FAV > 1500 ml/min
- Qa/CO > 33%
- Ecocardiograma com disfunção miocárdica e hipertensão pulmonar
**3-Existem complicações relacionadas a FAV?**
- Roubo de fluxo
- Aneurismas
- Infecções
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## OPINIÃO NEFROATUAL
Certamente a decisão de ligadura de uma FAV em um paciente transplantado assintomático de forma profilática não é tão simples, mas devemos estar atentos, principalmente pelos potenciais malefícios cardíacos em um paciente com função renal estável e portador de uma FAV com débito elevado (fluxo > 1500ml/min).De nada adianta um enxerto e uma FAV funcionantes em um paciente com internações frequentes ou óbito por insuficiência cardíaca.
A decisão mais importante será avaliar a função do enxerto renal e estimativa da sobrevida do enxerto renal, aqui existem escores para nos auxiliar.
Caso o paciente apresente sinais de insuficiência cardíaca persistentes e alterações cardíacas exuberantes ou complicações da FAV como aneurismas/roubo de fluxo a decisão fica bem mais fácil.
Casos em que o paciente está assintomático, com função renal estável e com alterações ecocardiográficas sugerindo risco elevado de disfunção cardíaca devemos ter mais atenção e avaliar caso a caso.