### PONTOS CHAVE
- Transplantados renais possuem risco aumentado de apresentar déficit cognitivo.
- A deficiência de ferro é prevalente na população com DRC, inclusive nos transplantados renais.
- Este estudo mostra que pacientes transplantados renais com deficiência de ferro (redução plasmática ferritina e saturação de transferrina) possuem pior desempenho cognitivo.
- A deficiência de ferro é um fator potencialmente modificável, desta forma, estudos de intervenção deverão avaliar o impacto de suplementação de ferro em reestabelecer a função cognitiva em transplantados renais.
## RESUMO
**Título**: Iron deficiency and cognitive functioning in kidney transplant recipients: findings of the TransplantLines biobank and cohort study ([link](https://academic.oup.com/ndt/advance-article/doi/10.1093/ndt/gfad013/6994383))
**Revista**: Nephrology Dialysis Transplantation, publicado em 20 de janeiro de 2023
**Qual a importância deste estudo?**
O transplante renal é o tratamento de escolha para pacientes com DRC terminal, e apesar da melhora clínica quando comparado aos pacientes em diálise, os transplantados renais apresentam risco elevado de infecções, doenças cardiovasculares e comprometimento cognitivo.
Em pacientes com DRC avançada é observado comprometimento da memória, velocidade mental e função executiva, tais parâmetros podem melhorar após o transplante renal, porém a performance cognitiva permanece comprometida quando comparado à indivíduos saudáveis.
A prevalência da deficiência de ferro é elevada nos transplantados renais (até 47%) e se associa com pior função do enxerto, anemia e maior mortalidade. A deficiência tem sido implicada com comprometimento da função cognitiva na DRC, isso porque o ferro participa da síntese de nucleotídeos, metabolismo de neurotransmissores e metabolismo energético celular.
Este estudo holandês publicado pela Dra. Vinke _et al_. no NDT se propôs a avaliar o quanto a deficiência de ferro pode interferir em funções cognitivas na população de transplantados renais, independente de fatores de confusão já relatados em estudos retrospectivos.
**Desenho do estudo**
Estudo prospectivo de centro único que faz parte do TransplantLines Cohort study, desenhado para avaliação de fatores de risco potencialmente modificáveis na população de transplantados renais.
Foram selecionados pacientes transplantados que possuíam mais de 01 ano da realização do transplante renal e encontravam-se com função do enxerto estável. Foram excluídos pacientes com coeficiente de inteligência (QI) < 80, com dificuldade de compreensão de linguagem ou de realização dos testes e questionários.
Realizado coleta de exames (cinética do ferro) e também avaliação neurocognitiva. Os participantes foram randomizados (1:1) para realização de testes que avaliaram a cognição ou funcionalidade física. Realizado Checklist Individual Strength (CIS) para avaliação de fadiga 02 semanas antes dos testes neuropsicológicos, foram avaliadas doenças cardiovasculares (IAM, AVC, TEP e DAOP), pois poderiam ser fatores de confusão.
Foram avaliados parâmetros que refletiam a cinética do ferro: ferritina, índice de saturação de transferrina (IST), hemoglobina e medidas dos testes funcionais de memória/velocidade mental/atenção e funcionalidade executiva
**Memória** (Testes: Digit Span FW, 15WTIR and 15WTDR). **Velocidade mental** (Testes: SDMT, TMT-A).
**Atenção e funcionalidade executiva** (testes TMT-B, COWAT, D-A-T e Digit Span BW)
**Definições**:
\*Deficiência de ferro: ferritina <100 ug/ml ou ferritina 100-299 ug/ml com IST ≤20%.
\*Deficiência absoluta: ferritina <100 ug/ml na DRC
\*Deficiência funcional: ferritina: 100-299 ug/ml na DRC
**Resultados**
Um total de 397 transplantados selecionados, 166 pacientes foram avaliados e apresentavam mediana de idade de 57 anos, a maioria homens (59%), com TFGe (CKD-EPI) média de 51 ml/min/1,73m² com cerca de 6 anos após do transplante. O valor médio de hemoglobina foi de 13,5 g/l, IST de 23% com mediana de ferritina de 87 ug/ml. Foi observado deficiência de ferro em 64% dos participantes. Os pacientes classificados como deficiência de ferro em sua maioria eram mulheres, utilizavam mais inibidores da calcineurina e foram submetidos à transplante preemptivo.
Os pacientes classificados como deficiência de ferro possuíam piores escores de memória nas análises uni e multivariadas, independentes dos níveis de hemoglobina. Menores níveis de ferritina e IST se associaram com pior escore de memória. De forma semelhante a avaliação com os testes de velocidade mental, atenção e funcionalidade executiva foram piores nos pacientes com deficiência de ferro, quanto menor os níveis de ferritina e IST maior comprometimento. Exceção apenas da funcionalidade executiva e atenção com IST, que apresentaram apenas uma tendência de associação entre pior avaliação e menores valores de IST.
Pacientes com IST ≤20% ou ferritina <300 ug/ml + IST ≤20% apresentaram maior comprometimento da memória e velocidade mental. A deficiência absoluta de ferro (ferritina <100 ug/ml) se associou com maior comprometimento cognitivo em todos os domínios. Não foi observado associação significativa entre deficiência funcional de ferro e resultados dos testes realizados.
É interessante notar que os indivíduos com níveis mais elevados de ferritina e IST também apresentaram pior avaliação nos testes neuro-cognitivos. Sabemos que a ferritina elevada indica um marcador de fase aguda, e que o IST elevado indica sobrecarga de ferro, que pode induzir estresse oxidativo e afetar negativamente a função cerebral, justificando o achado.
## OPINIÃO NEFROATUAL
Este é o primeiro estudo prospectivo a mostrar que a deficiência de ferro é um marcador independente de comprometimento cognitivo em pacientes transplantados renais, mesmo na ausência de anemia.
É importante notar que este é um fator modificável, já que outros fatores que impactam na função cognitiva como idade, doença cérebro vascular e imunossupressores são de difícil intervenção. O estudo possui a limitação de ser observacional, portanto, não é possível estabelecer a relação de causalidade de que a deficiência de ferro causa o prejuízo cognitivo, no entanto, ficou demonstrado de forma clara que a deficiência de ferro se associa com comprometimento da memória, funcionalidade executiva e velocidade mental, principalmente quando existe uma deficiência absoluta (ferritina <100 ug/ml).
Devemos redobrar atenção em pacientes com DRC quanto a deficiência de ferro, pois este é um fator potencialmente modificável que se associa com alteração cognitiva na DRC, aguardamos novos _trials_ como o EFFECT-KTx que avaliará o papel da reposição venosa de ferro na população de transplantados renais.