Vale a pena conferir esse artigo publicado no Kidney International ([link](https://www.kidney-international.org/article/S0085-2538(23)00252-1/fulltext)) sobre uso da apixabana.
A fibrilação atrial (FA) é uma arritmia muito comum nos pacientes em hemodiálise e se associa com elevada incidência de morte e AVC.
O tratamento com anticoagulação para prevenir AVC isquêmico relacionado a FA é uma etapa importante do tratamento, e os antagonistas da vitamina K (varfarina) são os medicamentos mais utilizados, quando indicado a anticoagulação.
No entanto, dados retrospectivos evidenciam que a varfarina parece não reduzir a incidência de AVC isquêmico nos pacientes em hemodiálise. Além disso, uso da varfarina/antagonistas vitamina K se associam com risco de AVC hemorrágico, sangramentos maiores e calcifilaxia, sendo a incidência de calcifilaxia 3 a 13 vezes mais frequentente nos usuários de varfarina.
Os anticoagulantes orais de ação direta (DOACs) são anticoagulantes com perfil de ação mais previsíveis, desta forma, não é necessário monitoramento da droga. Na população geral os DOACs possuem eficácia semelhante a varfarina, porém um melhor perfil de segurança, Na população com DRC o uso ainda é restrito, principalmente pois os medicamentos possuem mecanismos de excreção renal.
O que sabemos de estudos randomizados sobre os DOACs nos pacientes em hemodiálise?
A apixabana é o DOAC com menor taxa de excreção renal, dois importantes estudos randomizados avaliaram a segurança da apixabana nos pacientes em hemodiálise. Recentemente o [Valkyrie trial](https://journals.lww.com/jasn/pages/articleviewer.aspx?year=2021&issue=06000&article=00021&type=Fulltext) também avaliou a rivaroxabana nos pacientes dialíticos.
O [**RENAL-AF**](https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/CIRCULATIONAHA.121.054990) randomizou 154 pacientes em HD que possuíam FA não valvar com escore CHA2DS2-VASc ≥ 2, ou seja, maior risco de AVC. Os pacientes receberam apixabana (5mg 2xdia) ou varfarina (INR 2-3). Caso os paciente possuíssem > 80 anos ou tivessem peso < 60 kg recebiam uma menor dose de apixabana (2,5mg 2xdia). O estudo foi interrompido de forma prematura por dificuldade de recrutamento. Avaliando o seguimento de 11 meses a incidência do desfecho primário (sangramento relevante) não foi diferente no braço apixabana vs varfarina (31,5% vs 25,5%, HR 1,2 IC 95% IC 0,63-2,3). A taxa de eventos isquêmicos também foi semelhante 3,0% vs 3,3% entre os grupos
O [**AXADIA-AFNET**](https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/CIRCULATIONAHA.122.062779) 8 randomizou 97 pacientes com critérios semelhantes ao do estudo RENAL AF, os pacientes receberam apixabana (2,5mg 2x dia) ou antagonista vitamina K (INR 2-3). Os pacientes possuíam uma mediana de idade de 77 anos, 30% eram mulheres e possuíam uma mediana de escore CHA2DS2-VASc de 5, ou seja, muito alto risco de evento isquêmico. Em um seguimento de 14-17 meses a incidência do composto morte/sangramento clinicamente relevante foi de 36,1 vs 36,6 eventos para 100 pacientes-ano no grupo apixabana e antagonizata da vitamina K, respectivamente, OR 0,93, IC 95%, 0,53-1,65. Foram 9 mortes (19%) no grupo apixabana e 12 mortes (25%) no grupo antagonista vitamina K.
Checa essa imagem abaixo com principais informações destes estudos.
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**Qual a importância destes estudos**
Estes dois estudos não tiveram poder estatístico de demonstrar que a apixabana é **não inferior** aos antagonistas da vitamian K para o desfecho sangramento maior em pacientes em hemodiálise.
No entanto, informações importantes podem ser respondidas.
- **Primeiro**, a frequência de sangramentos maiores foi significativamente maior do que a frequência de AVC/eventos embólicos nos pacientes tratados com DOACs ou antagonistas vitamina K, foram cerca de 4 eventos isquêmicos para 27 sangramentos maiores.
- **Segundo**, é muito difícil alcançar o alvo de INR na população em uso dos antagonistas de vitamina K, ocorreu em apenas 44% e 51% dos pacientes do RENAL AF e AXADIA, respectivamente.
- **Terceiro**, é muito difícil a realização de estudo de prevenção primária em pacientes com FA não valvar em hemodiálise, o principal limitante é o recrutamento de pacientes.
Algumas questões precisam ser respondidas:
- A FA é realmente um fator de risco importante para AVC em pacientes em hemodiálise?
- Muito dos eventos de FA ocorrem durante sessão de hemodiálise, quando os pacientes estão em uso de heparina, seria esse um motivo da baixa incidência de eventos embólicos nestes estudos?
- Caso indicado, qual seria a melhor opção de anticoagulantes para pacientes em hemodiálise?
Os próximos estudos deveram dar maior importância a pacientes com elevado risco de AVC, bem como é necessário um escore de risco específico para pacientes em hemodiálise. É interessante estudos que comparem DOACs com placebo, uma vez que existe uma dificuldade importante de alcançar uma faixa segura de INR na população dialítica.
Infelizmente para termos um _trial_ com respostas mais definitivas sobre prevenção de AVC nos pacientes dialíticos com FA seriam necessários cerca de 1600 pacientes, algo que não foi possível nas últimas 02 décadas. O desafio para comunidade de nefrologistas ainda permanece.
## OPINIÃO NEFROATUAL
Se olhamos apenas em questão de segurança quanto risco de sangramento, existem estudos observacionais grandes que mostram um melhor perfil de segurança da apixabana quando comparado a varfarina ([link](https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/CIRCULATIONAHA.118.035418?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed)). Isso pode guiar nossa decisão de qual agente escolher.
Porém a questão é mais complexa. Até o momento não temos informações claras se existe benefício em indicar início de anticoagulação para prevenção primária de eventos tromboembólicos nos pacientes em hemodiálise que possuem FA. Temos que fazer uma avaliação constante e individualizada do benefício na prevenção e do risco de sangramento, vamos combinar que é uma decisão bem difícil, né?
Valor do CHA2DS2-VASc, tamanho do átrio, fração de ejeção, eventos trombóticos prévios, avaliação do risco de queda, condições financeiras e contexto social são alguns dos pontos que temos de ficar atentos para definir uma estratégia mais segura.
Comenta aqui e nos fala qual a sua opinião sobre o tema.