### PONTOS CHAVE
- A IRA é uma síndrome complexa associada com elevada morbimortalidade.
- A terapia dialítica é o tratamento de escolha em quadros de IRA com **urgência dialítica**: congestão, acidose metabólica e hipercalemia
- refratária. Na ausência das indicações clássicas existe muita divergência na indicação de início de diálise (precoce vs tardio).
- O estudo AKIKI mostrou que uma indicação “tardia” em pacientes grave com IRA não se associou com desfecho desfavorável e reduziu complicações relacionadas a diálise.
- O estudo AKIKI 2 se propôs a avaliar uma estratégia ainda “mais tardia” de indicação de diálise. Não foi observado benefício, porém uma tendência a maior mortalidade com estar estratégia “mais tardia”.
- Este estudo nos mostra que caso o paciente com IRA apresente um quadro de **oligúria** (< 0,3 ml/kg/h) por mais de 72h ou nível de **ureia >240** mg/dl não parece gerar nenhum benefício prático, com o potencial risco de se associar com uma maior mortalidade.
## RESUMO DO ESTUDO
**Título**: Comparison of two delayed strategies for renal replacement therapy initiation for severe acute kidney injury (AKIKI 2): a multicentre, open-label, randomised, controlled trial ([link](https://www.thelancet.com/article/S0140-6736(21)00350-0/fulltext))
**Revista:** The Lancet, publicação em 03 de abril de 2021
**Qual a importância do estudo?**
A indicação de iniciar hemodiálise (HD) em um paciente com IRA nem sempre é tão simples, nós nefrologistas muitas vezes pensamos se podemos evitar a passagem de um cateter e sessão de HD, já que o paciente não apresenta uma urgência dialítica clássica.
A discussão na literatura sobre indicação de início (precoce ou tardio) da terapia dialítica está longe de ter um fim e divide muitos pesquisadores. O Estudo [AKIKI](https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/nejmoa1603017) (NEJM 2016) comparou a estratégia de iniciar diálise em pacientes graves (intubados ou com drogas vasoativas) com IRA KDIGO 3 com uma **estratégia precoce** \[assim que o paciente recebia o diagnóstico de IRA KDIGO 3\] ou com uma **estratégia tardia** \[quando o paciente apresentasse IRA KDIGO 3 com alguma alteração como: hipercalemia, acidose (pH<7,15) ou oligúria >72 horas (diurese <0,3 mL/kg/h dia)\]. A estratégia de “atrasar” indicação de diálise do estudo AKIKI **não causou malefício**, reduziu necessidade de HD e evitou complicações associadas à TRS.
Foi por esse motivo que foi desenhado o estudo AKIKI 2, que procurou comparar duas estratégias de indicação tardia de diálise com a hipótese de que se **aguardarmos mais um pouco** para indicar diálise poderíamos aumentar o desfecho de dias livres de diálise.
**Desenho do estudo**
Foi um estudo multicêntrico, randomizado (1:1), realizado em 39 UTI da França que comparou duas estratégias de “diálise tardias” para início de TRS. Foram incluídos pacientes com **\>18 anos**, internados em UTI com diagnóstico de **IRA (KDIGO 3)** e que estavam em tratamento com ventilação mecânica ou droga vasoativa.
Ao serem incluídos no estudo os pacientes eram monitorados até a ocorrência de dois critérios: **oligúria** (< 0,3 ml/kg/h) por mais de 72h ou nível de **ureia 240 a 300** mg/dl, a partir deste momento eles eram randomizados para início de diálise com os seguintes critérios:
- **Grupo 1** (tardio): iniciado diálise de imediato, ou seja, ao apresentarem oligúria ou ureia entre 240 a 300 mg/dl.
- **Grupo 2** (muito tardio): iniciado diálise apenas se **apresentasse ureia > 300 mg/dl**, **hipercalemia** (K> 6,0 mEq/l), **acidose metabólica** (pH <7,15) ou **edema pulmonar** por congestão refratário às medidas clínicas
A modalidade dialítica poderia ser intermitente ou contínua. Descontinuação de diálise era realizada se o paciente apresentasse diurese > 500ml/dia, recomendada se apresentasse diurese >1000ml/dia (sem diurético) ou >2000ml/dia (com diurético) e mandatória caso apresenta-se diurese e queda espontânea de creatinina.
**Desfecho primário avaliado**: dias livres de diálise no período entre randomização e dia 28
**Desfechos secundários**: sobrevida geral (com 28 e 60 dias), necessidade de diálise, recuperação de função renal, dias livres de droga vasoativas e ventilação mecânica, infecção de cateter, complicações relacionadas à diálise, avaliação de hidratação e nutrição e análise de custo.
**Resultados**
Características basais: observamos uma população mais velha (média de 65 anos), com elevada gravidade clínica uma vez que 76% estavam em ventilação mecânica e 79% em uso de vasopressores e valores moderados de disfunção renal: creatinina média 2,6 mg/dl, ureia 100 mg/dl, K 4,4 mg/dl e HCO3 19,5 mmol/l.
Dos 767 pacientes avaliados, 127 (16%) nem foram randomizados pois apresentaram indicação inequívoca de diálise e 352 (46%) não preencheram critérios para início de diálise.
Desta forma os pacientes randomizados foram**: Grupo 1** (n=137) **e Grupo 2** (n=141), 278 pacientes incluídos na análise intention-to-treat.
**O desfecho primário (número de dias livres de diálise) não foi diferente entre o grupo tardio (12 dias) e grupo muito tardio (10 dias), p=0,93.**
Entre os desfechos secundários, a mortalidade em 60 dias não foi diferente entre os grupos tardio (44%) e muito tardio (55%), p=0,071. Porém, diante da tendencia estatística e na avaliando a análise multivariada, a estratégia de diálise mais tardia se associou com **maior mortalidade em 60 dias** (HR 1,65 IC 95% 1,09-2,5, p=0,018). Os demais desfechos secundários não diferiram entre os grupos.
Este estudo comparou duas estratégias de indicação de diálise, ambas tardias. A hipótese é que ao se aguardar um pouco mais para iniciar diálise, desde que ausência de indicações claras de diálise, fosse possível encontrar algum benefício como redução da necessidade de TRS (dias livres de TRS) ou complicações relacionadas ao tratamento. **De forma objetiva esta estratégia mais tardia não reduziu os dias livres de diálise, bem como foi encontrado uma tendência a maior mortalidade, um possível malefício.**
## OPINIÃO DO NEFROATUAL
O estudo AKIKI nos mostrou que indicar diálise em um paciente com IRA KDIGO 3 na ausência de critérios bem definidos como hipercalemia, acidose, uremia ou congestão refratária **não reduz o desfecho mortalidade**, além disso, a “estratégia precoce” acrescenta riscos potenciais do tratamento dialítico a um paciente que pode não precisar de diálise. O **estudo AKIKI 2** evidencia que a “estratégia muito tardia” não parece acrescentar qualquer benefício e pode gerar desfechos danosos. Diante de um paciente com IRA KDIGO 3 e ausência de hipercalemia/acidose/congestão refratários, uma forma objetiva de indicar diálise seria levar em consideração os seguintes critérios**: oligúria persistente** (<0,3 ml/kg/h) por 72h e **valores de ureia >240mg/dl**, segurar indicação de diálise além disso provavelmente não ocorrerá benefícios.