### PONTOS CHAVE
- O paradigma de que o contraste iodado intravenoso é um fator de risco independente para IRA tem isso questionada na última década por diversos estudos.
- Este foi um estudo retrospectivo, mas de boa qualidade, que mostrou que em pacientes com IRA a administração de contrasto iodado intravenoso não parece se associar com persistência da IRA ou necessidade de terapia dialítica.
- Casos de IRA induzida por contraste iodado provavelmente são superestimados, temos que nos habitua com o termo IRA associada com contraste.
- Em pacientes com IRA com indicação de um exame de TC com contraste para confirmar ou excluir diagnósticos com risco de vida, não devemos de forma nenhuma atrasar ou contraindicar o procedimento.
## IMPORTÂNCIA DO ESTUDO
Historicamente o contraste iodado intravenoso para exames de tomografia computadorizada (TC) tem sido identificado como uma causa iatrogênica de IRA, nomeada como IRA induzida por contraste.
Estudos retrospectivos e meta-análises tem questionado o paradigma de que o contraste iodado seja um fator de risco independente para IRA e suas complicações, **como necessidade de diálise ou morte**, mesmo em pacientes críticos.
Em 2020 o **_American College of Radiology_ e _National Kidney Foundation_** publicaram consenso com revisão das evidências de IRA relacionada ao contraste iodado e rebaixou o grau de evidência de recomendação de cautela do contraste iodado em pacientes com disfunção renal.
Até o momento, a TFG < 30 ml/min/1,73m² é o melhor preditor de risco para desenvolver IRA induzida pelo contraste. E utilizando este racional existe também a recomendação de se evitar contraste iodado em pacientes **com função renal instável e naqueles com IRA**.
Apesar disso, a evidência sobre o risco do contraste iodado intravenoso em pacientes com IRA já estabelecida não é bem definido na literatura
Este foi um estudo interessante que avaliou o risco de **eventos renais adversos** em pacientes com IRA estabelecida no departamento de emergência.
## RESUMO
**Artigo**: Renal outcomes following intravenous contrast administration in patients with acute kidney injury: a multi‑site retrospective propensity‑adjusted analysis ([link](https://link.springer.com/article/10.1007/s00134-022-06966-w))
**Revista**: Intensive Critical Care, publicado em 30 de Janeiro de 2023
Este foi um estudo retrospectivo realizado no departamento de 03 centros hospitalares norte-americano no período de 2017 a 2021.
**Foram incluídos** no estudo pacientes **adultos** (≥18 anos) com critério de **IRA pelo KDIGO** (estágio 1, 2 ou 3), porém débito urinário não foi levado em consideração. A **creatinina (Cr) basal** foi identificado no pelo prontuário eletrônico no período 0-180 dias prévios a avaliação no departamento de emergência.
**Foram excluídos** pacientes que não apresentava critérios de IRA ou que não tinham um valor de Cr basal integrado ao sistema, pacientes dialíticos ou com Cr basal > 4mg/dl.
As variáveis de interesse foram a administração de contraste iodado IV no departamento de emergência de acordo com protocolo institucional, iohexol ou iodixanol (cerca de 70-120ml).
Para estratificação e balanceamento os pacientes foram estratificados quanto indicadores de severidade de doença aguda (SOFA, hipotensão, anemia e hipoalbuminemia) e quanto comorbidades/doenças crônicas.
**O objetivo primário do estudo foi avaliar a persistência da IRA.** Foi considerado resolução da IRA quando os pacientes não apresentavam mais critérios IRA pelo KDIGO em elação a Cr basal.
Foram avaliados como desfecho secundários o início de diálise (em 180 dias). Tendo em vista a natureza retrospectiva do estudo foi realizado balanceamento utilizando o Inverse probability of treatment weighting e Propensity score entre os pacientes que realizaram TC (com ou sem contraste) ou não realizaram exame de imagem.
**RESULTADOS**
Um total de 14.449 pacientes foram avaliados, 78% com IRA estágio 1, 13,9% IRA estágio 2 e 8,2% estágio 3. O contraste iodado foi administrado em 18,4% dos pacientes (n=2658).
Os pacientes que **receberam contraste iodado** foram em sua maioria mais jovens, do sexo feminino e possuíam maior TFGe, além disso, possuíam menos comorbidades e mais foram mais propensos a receberem medicamentos nefrotóxicos. Índice de gravidade de doenças agudas foram semelhantes entre os que receberam ou não o contraste iodado.
**A maioria dos pacientes (69,1%) evoluiu com resolução da IRA antes da alta hospitalar.** Quadros de IRA persistente foram mais comuns nos pacientes que **NÃO** receberam contraste IV (32.7%, IC 95%, 32,1–33,6%).
Na análise univariável **NÃO** foi revelado uma associação independente entre administração de contraste IV e persistência do quadro de IRA (OR 1, IC 95% 0,89–1,11). Na análise multivariável utilizando _propensity weighted analysis_ e _entropy balancing_ também não foi identificado associação da administração do contraste IV com persistência da IRA.
Mesmo avaliando 5544 pacientes com **TFGe < 30ml/min/1,73m²**, não foi identificado uma relação independente de administração do contraste IV e IRA persistente (OR 0.97, IC 95% 0,73–1,29).
A necessidade início de diálise em 180 dias ocorreu em 5,4% (n=778), sendo mais frequente nos pacientes que não receberam contraste IV (OR 0,67, IC 95% 0,47–0,96).
## OPINIÃO NEFROATUAL
Entre os pacientes com IRA estabelecida a administração de contraste iodado IV não se associou com quadro de IRA persistente ao momento da alta hospitalar, também não foi mostrado associação com aumento da necessidade de terapia dialítica.
Por mais de 70 anos casos de IRA tem sito atribuídos como secundária ao uso de contraste iodado IV, porém estudos mais recentes, e de boa qualidade, colocam em xeque essa relação causal.
Até o momento podemos afirmar que casos de IRA secundária ao uso do contraste iodado IV são **superestimados**, o que deve abrir nossos olhos a não nos contentarmos como sendo este o único fator que justifica casos de IRA dentro do ambiente hospitalar.
E**ste estudo nos chama atenção aos seguintes pontos:**
- Eventos adversos sérios como mortalidade, evolução para DRC ou necessidade de diálise não parecem ser complicações associadas com contraste iodado IV.
- Em pacientes com IRA e necessidade de exame de TC com contraste que irá modificar uma conduta clínica (confirmar ou excluir diagnósticos com risco de vida), o exame não deve ser postergado ou contraindicado.
- Cada vez mais temos que atentar para o termo **IRA associada com contraste**, ao invés de **IRA induzida por contraste iodado**.