Caso clínico publicado no AJKD ([link](https://www.ajkd.org/article/S0272-6386\(18\)31093-X/fulltext))
Paciente de 39 anos submetida a estimulação ovariana, evoluiu no 4º dia após a retirada de óvulos para fertilização in vitro (FIV) com quadro de distensão abdominal, piora do edema em membros inferiores, ganho de 5 kg em 3 dias, náuseas e dispneia.
A paciente possuía diagnóstico de DM tipo 1 desde os 36 anos, e apresentava comorbidades como retinopatia, DRC proteinúrica estágio IV e hipertensão. Estava em uso de anlodipina 10 mg/dia diariamente e terazosina 1
mg 2xdia.
Diante das múltiplas comorbidades, a programação era de coleta de óvulos, FIV e inseminação em
gestação de substituição ("barriga de aluguel"). Para estimulação ovariana antes do procedimento de retirada dos óvulos, ela foi tratada com hormônio estimulante de folículos recombinante e hormônio luteinizante recombinante para estimulação ovariana. Vinha também em tratamento com agonista do hormônio liberador de gonadotrofina buserelina. Sendo realizada a criopreservação de 03 embriões.
**Tabela com evolução de função renal após realização da retirada de óvulos**![](/SHOtabela.webp)
Realizada ultrassonografia do abdômen que demonstrou ovários acentuadamente aumentados: o ovário direito tinha 97 × 73 × 82 mm e a esquerda era 103 × 83 × 94 mm; ambos com vários folículos aumentados. Ascite grave. Sem houve evidência de hidronefrose. Realizado passagem de sonda vesical e a pressão vesical foi elevada para 17 mm Hg (referência \<10 mmHg).
**Diagnóstico**
Síndrome de hiperestimulação ovariana grave (SHO) com hipertensão intra-abdominal e injúria renal aguda.
**Seguimento**
A paciente foi internada e recebeu expansão volêmica com solução salina e albumina 25% (100 mL, a cada 8 horas por 48 horas). Procedido paracentese com drenagem de 4,7 L de líquido ascítico. Após a primeira paracentese, observou-se melhora da diurese, com melhora dos sintomas e função
renal progressivamente.
**Pontos de aprendizado**
As células foliculares ovarianas liberam peptídeos vasoativos que podem levar a mudanças neurovasculares no período da ovulação. Os ciclos ovarianos espontâneos também causam a liberação de tais substâncias,
porém ocorre estimulação de apenas um folículo e de forma auto-limitada. No processo de reprodução assistida, o uso de gonadotropinas exógenas gera recrutamento de vários folículos, consequentemente, liberação de vários fatores vasoativos, incluindo o VEGF, substância chave no desenvolvimento da SHO, além de IL-6, prostaglandinas, histamina e angiotensina para a cavidade abdominal, gerando um processo de intenso extravasamento capilar localizado.
O diagnóstico da SHO é clínico, sendo identificado ascite, que pode ser leve ou moderada a grave. Em casos leves, as pacientes podem relatar apenas desconforto abdominal, enquanto casos mais graves podem cursar
com rápido deslocamento de líquidos do intra para o extravascular, causando hipovolemia devido à perda para o 3º espaço. O manejo varia de acordo com a gravidade da apresentação, podendo ser necessário ressuscitação com fluidos intravenosos e paracentese. A IRA associada ao quadro não é comum, sendo mais provável de ocorrer em pacientes com diagnóstico prévio de DRC. Os mecanismos causadores de IRA estão relacionados à hipovolemia, congestão renal, ascite com hipertensão intra-abdominal, hidronefrose por compressão ovariana e até tromboembolismo de artéria renal relacionado à hemoconcentração.
**Resumo do post**
A SHO é uma complicação pouco frequente relacionada à indução de ovulação para FIV. Cursa clinicamente apenas com desconforto abdominal, enquanto casos graves podem evoluir com ascite tensa e outras complicações em consequência do extravasamento capilar. Na SHO grave, a IRA pode ocorrer devido a mecanismos diferentes, que têm importância na condução clínica.
- Depleção do volume intravascular
\- Hipertensão intra-abdominal/síndrome compartimental abdominal
\- Congestão renal, devido ao extravasamento capilar
\- Uropatia obstrutiva, devido ao aumento ovariano
O tratamento clínico passa por **reposição volêmica**, **uso de albumina/coloides** e **paracentese **para prevenção e tratamento da IRA no contexto da SHO com ascite tensa.