A Nefropatia por IgA (NIgA) é a glomerulopatia primária mais comum do mundo, aproximadamente 30% dos
pacientes evoluem para falência renal após 20 anos do diagnóstico. O tratamento padrão consiste em medidas conservadoras, incluindo o controle da pressão arterial, o tratamento com iECA ou BRA e inibidores SGLT2.
Em pacientes de alto risco de progressão da doença, o uso de imunossupressores inespecíficos, como corticosteroides entéricos ou sistêmicos, demonstrou benefícios, mas às custas de efeitos colaterais importantes. Portanto, um tratamento específico e seguro para a doença, eficaz em retardar a progressão da IgA nefropatia, é necessário.
Na fisiopatologia da doença, ocorre a formação de IgA1 deficiente de galactose. A formação de um anticorpo
contra essa IgA1 deficiente de galactose (IgA-dg) leva à formação de imunocomplexos circulantes que se depositam no mesângio glomerular, desencadeando resposta inflamatória e ativação do complemento.
O APRIL (Proliferation-Inducing Ligand) é um membro da superfamília do fator de necrose tumoral α (TNF-α) que
regula a resposta mediada por células B. Este fator parece desempenhar um papel chave no desenvolvimento da NIgA. Bloquear a atividade do APRIL pode, teoricamente, reduzir os níveis circulantes de IgA-dg e a formação de
imunocomplexos.
Para investigar isso, foi conduzido o ENVISION Trial ([link](https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2305635)), um estudo de fase 2 publicado no NEJM em novembro de 2023, que avaliou o papel do Sibepremlimabe, um anticorpo IgG2 humanizado que neutraliza a atividade do APRIL.
Entendendo o estudo
Trata-se de um estudo fase 2, duplo-cego, randomizado (1:1:1:1), placebo-controlado com múltiplas doses que
avaliou segurança e eficácia do sibeprenlimabe na NIgA.
Grupo intervenção: sibeprenlimabe na dose de 2, 4 ou 8 mg/kg.
Posologia
Sibeprenlimab em dose de 2, 4 ou 8 mg/kg (diluído em 100 mL de SF0,9% com infusão em 1 horas) administrado mensalmente.
Critérios inclusão: adultos com NIgA comprovada por biópsia, relação proteína-creatinina (RPC) >0,75 g/g e
TFGe >30 mL/min/1,73m², uso de iECA/BRA e níveis estáveis de imunoglobulinas séricas (IgG>700 mg/dL, IgM>37 mg/dL e IgA>70mg/dL). Foram excluídos pacientes com outras etiologias de DRC e classificação MEST-C (T2 ou C2)
Desfecho primário avaliado: mudança da proteinúria em 12 meses.
Resultados
Um total de 155 pacientes foram randomizados, 38 (2 mg/kg), 41 (4 mg/kg), 38 (8 mg/kg) e 38 placebo. Realizado
mediana de seguimento por 16 meses.
Após 12 meses de tratamento ocorreu uma redução linear de redução da proteinúria, chegando a 62±5,7%
no grupo sibeprenlimabe 8mg (figura 1). A porcentagem de pacientes que evoluíram com remissão clínica (RPC\<0,3 g/g) foi de 7,9%, 12,2%, 26,3% e 2,6% nos grupos 2mg, 4mg, 8mg e placebo, respectivamente.
Em relação a TFGe foi observado uma atenuação de declínio, −2,7±1,8, 0,2±1,7 e −1,5±1,8 mL/min/1,73m² grupo sibeprenlimabe e -7,4±1,8 mL/min/1,73m² no grupo placebo.
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Como esperado, foi observado redução dos níveis de IgA-dg e supressão dos níveis de APRIL de forma dose-dependente.
Opinião Nefroatual
Os resultados deste ensaio clínico demonstram que a supressão do APRIL reduziu os níveis de IgA1-dg,
resultando na diminuição da proteinúria. Ao mesmo tempo, a taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) permaneceu estável em comparação com o grupo placebo, evidenciando uma ação significativa na patogênese da Nefropatia por IgA (NIgA).
Nos últimos anos, tem havido um aumento nos alvos terapêuticos para o tratamento da NIgA. Estes resultados
iniciais indicam um potencial benefício com um medicamento que inibe seletivamente o fator APRIL, sem causar depleção linfocitária. Essa abordagem de tratamento é particularmente interessante ao tentar modular a maturação
linfocitária, minimizando os efeitos deletérios associados à imunossupressão sistêmica, como aqueles observados com corticoterapia ou micofenolato.
É altamente provável que, nos próximos anos, sejamos capazes de selecionar as opções terapêuticas mais
adequadas com base no fenótipo da apresentação clínica de um paciente com NIgA. Isso poderá incluir o uso de metilprednisona, budesonida de forma direcionada, micofenolato, inibidores de endotelina (por exemplo, atresetan) ou inibidores de APRIL. Apesar de ser um estudo de fase 2, este trabalho adiciona evidências promissoras a uma nova abordagem terapêutica.