Vamos começar com um caso clínico?
João da Silva, 65 anos, apresenta-se ao consultório com queixas de fraqueza muscular eneralizada e palpitações há dois dias. Ele também relata redução na diurese e inchaço nos membros inferiores. João tem um histórico de DRC estágio 4 devido a doença renal do diabetes, hipertensão arterial de longa data e IC com fração de ejeção de 35%. Além disso, ele tem diabetes mellitus tipo 2 há 25 anos, com controle glicêmico inadequado.
Atualmente, João está usando várias medicações, incluindo enalapril (10 mg/dia), carvedilol (25 mg/dia), espironolactona (25 mg/dia), dapagliflozina 10mg e furosemida (40 mg/dia). No exame físico, sua pressão arterial é de 144/93 mmHg e edema em membros inferiores (++/4), com presença de terceira bulha na ausculta cardíaca
e estertores bibasais na ausculta pulmonar.
Os exames laboratoriais revelam um potássio sérico de 5,9 mEq/L, ureia de 90 mg/dL, creatinina de 3,0 mg/dL, glicose de 150 mg/dL e bicarbonato de 18 mEq/L.
Dada a gravidade da hipercalemia, é essencial identificar as causas subjacentes. A função renal de João está significativamente comprometida devido à DRC estágio 4, reduzindo sua capacidade de excretar potássio. Além disso, várias medicações que ele está tomando, incluindo enalapril, espironolactona e carvedilol, contribuem para a retenção de potássio. A insuficiência cardíaca congestiva de João também reduz a perfusão renal, exacerbando a retenção de potássio. A acidose metabólica leve presente também promove o deslocamento de potássio das
células para o plasma.
Mas você precisa encaminhar João para emergência devido à hipercalemia? Veja o que o KDIGO recomenda:
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Neste caso, como o K está abaixo de 6 a hipercalemia é leve! Podemos manejar no consultório. Se o resultado fosse inesperado e o pacientes estivesse clinicamente bem, poderíamos repetir em 24h (quem nunca viu uma paciente chegar com K 6,5 sem causa aparente que atire a primeira pedra 😊)
Como Fazer a Abordagem Prática da Hipercalemia no Consultório?
A hipercalemia é uma condição muito comum entre pacientes com DRC, diabetes e IC. Uma abordagem prática e eficiente é essencial para evitar complicações graves. Aqui, vamos detalhar a investigação, os valores seguros, e as medidas clínicas ambulatoriais e hospitalares para o manejo da hipercalemia, com base nos artigos de Biff Palmer (referencias no final do texto) e nas diretrizes KDIGO de 2024. Terá linguagem bem simples para ajudar a reforçar os conceitos que vocês já sabem
1.Investigação das Causas
Causas Agudas:
* Liberação rápida de potássio das células: Trauma, queimaduras, rabdomiólise, hemólise maciça, lise tumoral...
* Deficiência de insulina: Insuficiência de insulina pode levar ao deslocamento de potássio das células para o plasma.
* Acidose metabólica: Facilita a saída de potássio das células, especialmente na acidose hiperclorêmica com anion GAP normal.
Causas Crônicas:
* Doença renal: A capacidade de excretar potássio é comprometida na DRC.
* Medicamentos: Inibidores da ECA, BRA, diuréticos poupadores de potássio (amilorida, triantereno, espironolactona).
* Distúrbios endócrinos: Doença de Addison, hipoaldosteronismo.
* Consumo dietético elevado: Ingestão de alimentos ricos em potássio ou uso de substitutos do sal.
Eu sempre tento lembrar desta figura clássica:
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2.Valores Seguros
A hipercalemia é geralmente definida como uma concentração plasmática de potássio > 5,0 ou 5,5 mEq/L. Valores acima de 6,0 mEq/L são considerados perigosos e requerem intervenção imediata.
3\. Medidas Clínicas Ambulatoriais
Manejo da Hipercalemia Crônica:
1.Revisão de Medicamentos:
* Ajustar ou suspender medicamentos: Inibidores da ECA, BRA, diuréticos poupadores de potássio
* Evitar AINEs e substitutos do sal (que contêm KCL em sua composição!)
2.Modificação Dietética:
* Reduzir ingestão de alimentos ricos em potássio: Frutas e vegetais, especialmente em fontes processadas.
3\. Correção da Acidose:
* Bicarbonato de Sódio Oral: Manter níveis de bicarbonato plasmático dentro do normal, eficaz na promoção do deslocamento de potássio para dentro das células.
4\. Uso de Ligantes de Potássio:
* Patiromer e Ciclossilicato de Zircônio: Para manter a normocalemia e permitir o uso contínuo de IECA/BRA.
5\. Diuréticos:
* Diuréticos de alça são preferidos: Iniciar ou aumentar a dose nos pacientes com DRC ou hipervolêmicos. Pode ser necessário adicionar clortalidona mesmo em pacientes com TFG \< 30 ml/min/1,73 m².
6\. Inibidores da SGLT2:
* Uso em pacientes com indicações apropriadas: Protege contra a hipercalemia em pacientes com função renal reduzida.
No caso acima qual seria a melhor abordagem, já que o paciente apresenta benefício do uso das medicações que estão causando hiperpotassemia?
Eu escolheria: suspender a espironolactona e aumentar furosemida para 80mg+80mg oral, não faria bicarbonato agora devido à hipervolemia e manteria o enalapril e o carvedilol pelo benefício na IC. Outra opção seria associar ao esquema o zircônio por período curto, já que, o uso crônico nestes pacientes tem custo muito elevado, quase proibitivo.
E você? Faria algo diferente??
Referências
1. Palmer, B. F. (2004). Managing Hyperkalemia Caused by Inhibitors of the Renin–Angiotensin–Aldosterone System. The New England Journal of Medicine, 351(6), 585-592. DOI: 10.1056/NEJMra040135 ([link](https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMra035279))
2. KDIGO 2024 Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Management of Chronic Kidney Disease. Kidney International Supplements, 2024. KDIGO Guidelines ([link](https://kdigo.org/wp-content/uploads/2024/03/KDIGO-2024-CKD-Guideline.pdf))
3. Palmer, B. F. (2023). Advances in the Management of Hyperkalemia. Nephrology Dialysis Transplantation, 38(5), 1234-1243. ([link](https://academic.oup.com/ndt/article/39/7/1097/7616929))