PONTOS CHAVE
- A nefrolitíase é uma condição comum que gera impacto na qualidade de vida e aumento dos custos em saúde, apesar disso, o tratamento não mudou muito nas últimas décadas.
- Os diuréticos tiazídicos são classicamente utilizados para redução da calciúria e prevenção da recorrência dos cálculos renais de oxalato cálcio/fosfato de cálcio, apesar disso, os estudos que embasam o seu uso possuem limitações metodológicas importantes.
- O estudo NOSTONE colocou em xeque o benefício clínico da hidroclorotiazida para tratamento da nefrolitíase, não sendo observado benefício para prevenção do desfecho combinado: recorrência sintomática e/ou radiológica dos cálculos renais.
- O estudo observou apenas uma redução na recorrência radiológica nos pacientes que utilizaram doses mais elevadas (25-50mg/dia). Efeitos colaterais foram mais frequentes no grupo HCTZ.
- Devemos abandonar uso dos tiazídicos? Creio que não! Pacientes com hipercalciúria e cálculos renais podem apresentar benefício, porém esse benefício parece ser menor do que imaginávamos, sendo necessário doses mais elevadas, desta forma, temos que vigiar de perto os efeitos colaterais e atentar para o risco-benefício.
## RESUMO DO ESTUDO
**Hydrochlorothiazide and Prevention of Kidney-Stone Recurrence** ([link](https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2209275?query=featured_nephrology))
**Revista**: New England Journal Medicine, publicado em 02 de Março de 2023
**Qual a importância do estudo?**
Todos sabemos que a nefrolitíase é uma doença com elevada incidência/prevalência e com tendência de elevação nas últimas décadas. Na maioria dos casos os cálculos são compostos por oxalato de cálcio, fosfato de cálcio ou uma mistura de ambos. A hipercalciúria é o principal distúrbio metabólico entre os pacientes com nefrolitíase.
Os diuréticos tiazídicos são medicamentos classicamente utilizados para prevenir a recorrência de cálculos renais há mais de 50 anos, sendo utilizadas com doses mais elevadas (50-100mg/dia). Porém os estudos que suportam o seu uso possuem limitações metodológicas importantes. Por conta disso foi desenhado o **NOSTONE _trial_,** com intenção de avaliar a dose de hidroclorotiazida para prevenção da recorrência de cálculos renais.
Foi um estudo multicêntrico (12 centros na Suíça), randomizado, duplo-cego, placebo controlado. Foram selecionados pacientes > 18 anos, com **≥2 episódios de cálculo renal nos últimos 10 anos** (cálculos deviam conter pelo menos 50% de composição oxalato de cálcio e/ou fosfato de cálcio). Foram excluídos pacientes com causas secundárias ou em tratamento com outros medicamentos que pudessem interferir na formação dos cálculos. Pacientes receberam orientação dietética para prevenção de nefrolitíase.
Um total de **416 pacientes** foram randomizados 1:1:1:1, isto é, 102 pacientes receberam placebo, 105 HCTZ 12,5 mg/dia, 108 HCTZ 25 mg/dia e 101 HCTZ 50 mg/dia e foram acompanhados por três anos. No momento da randomização os pacientes foram submetidos a uma tomografia computadorizada renal de baixa dose e foram acompanhados por telefone trimestralmente. Foi realizado uma randomização para número de episódios prévios (últimos 10 anos), ou seja, com maior risco de recorrência.
**Desfecho primário estudado**: avaliar o efeito dose-resposta no composto recorrência de sintomas e recorrência radiológica.
\***Recorrência sintomática**: saída de um cálculo visível pela via urinária ou necessidade de intervenção de remoção cirúrgica de um cálculo (sintomático ou não).
\***Recorrência radiológica** (realizado exame de imagem ao término do seguimento): aparecimento de um novo cálculo ou crescimento de cálculos pré-existentes na TC do início do estudo
**Desfechos secundários**: recorrência sintomática ou radiológica, modificações metabólicas laboratoriais, mudança na saturação oxalato cálcio/fosfato cálcio e do equilíbrio de solubilidade, além de efeitos adversos.
Resultados
A população do estudo foi composta por pacientes com mediana de idade de 49 anos, a maioria homens (80%) e brancos. O número de episódios de calculose antes da randomização foi de 3, sendo que 33% dos pacientes apresentavam histórico de ≥ 04 crises em 10 anos. A maioria (63%) apresentava hipercalciúria (excreção > 200mg/dia de cálcio) no início do estudo. No seguimento de 2,9 anos, 93% dos pacientes finalizaram o estudo e a aderência foi considerada satisfatória.
O desfecho primário de recorrência dos sintomas e/ou radiológica **não foi diferente entre os pacientes do grupo placebo ou em uso de HCTZ**, sendo observado em 59% no grupo placebo, 59% no grupo HCTZ-12,5mg, 56% no grupo HCTZ-25mg e 49% no grupo HCTZ-50mg, isto é, não foi observado evidência de que HCTZ previne a recorrência de nefrolitíase, HR: **0,98** (IC 95%, 0,87-1,09, p=0,66), independente da dose de HCTZ ou análise de subgrupos.
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Imagem retirada no artigo [DOI: 10.1056/NEJMoa2209275](10.1056/NEJMoa2209275)
Na avaliação dos desfechos secundários foi observado uma menor taxa de recorrência radiológica no grupo HCTZ-25mg (32%) e HCTZ-50mg (34%) quando comparado ao placebo (49%), OR 0,49 (IC 95% 0,29-0,98) e 0,54 (IC 95%, 0,29-0,98), respectivamente. Na avaliação metabólica pacientes que receberam HCTZ evoluíram com menores níveis de excreção do cálcio urinário, mas sem diferença quanto supersaturação de oxalato de cálcio e/ou fosfato de cálcio.
A recorrência sintomática foi igual entre os grupos, porém a recorrência radiológica foi menor nos grupos tratados com HCTZ na dose 25-50mg/dia. Além disso, foi observado redução da calciúria nos pacientes em uso de HCTZ, não sendo, no entanto, observado diferenças quanto taxa de supersaturação de cálculos contendo cálcio. Foi observado também uma tendência a menor excreção urinária de citrato e aumento da excreção de oxalato nos pacientes em uso de HCTZ, fatores que podem contrabalancear os possíveis benefícios da HCTZ.
Foi observado aumento de efeitos adversos no grupo HCTZ como diabetes, hipocalemia, gota e elevação de creatinina, mas sem diferenças quanto eventos graves.
OPINIÃO NEFROATUAL
Este foi um estudo bem desenhado para avaliação do papel da HCTZ na prevenção da recorrência de cálculo renal, não sendo observado papel protetor do medicamento mesmo em doses mais elevadas (50mg), desta forma, colocou em xeque o real benefício dos tiazídicos para prevenir a recorrência de nefrolitíase.
Devemos abandonar o uso dos tiazídicos no tratamento da nefrolitíase? **Creio que não!** O estudo mostrou redução da calciúria com uso da HCTZ, talvez em pacientes com hipercalciúria devemos considerar seu uso, porém são necessárias doses mais elevadas. No entanto, é ai que devemos ter cuidado com efeitos colaterais, como hiponatremia, hipocalemia, hipercalcemia e hiperuricemia, dislipidemia e hiperglicemia. Além disso, 7 dos 10 estudos anteriores mostraram benefício do uso de tiazídicos na nefrolitíase, bem como uma metanálise mostrou-se positiva, logo, será necessário uma maior discussão na comunidade científica.
Uma limitação importante do estudo foi a **NÃO** utilização da calciúria como critério de inclusão. Nós utilizamos os tiazídicos justamente nos pacientes com nefrolitíase e hipercalciúria, pacientes sem hipercalciúria podem ter sido um fator que subestimou a proteção dos tiazídicos.
Outra limitação importante do estudo foi o tempo de seguimento, logo, não podemos afastar a possibilidade de benefício entre pacientes com uso mais prolongado (> 3 anos), uma vez que para observar um benefício seria necessário um seguimento maior, pois reduz a interferência dos cálculos já formados.
Esse estudo veio para mostrar da necessidade de novas terapias para tratamento de uma condição tão comum. Creio que é muito cedo para simplesmente para de usar a HCTZ, principalmente nos pacientes com hipercalciúria, mas certamente nos pacientes que apresentem efeitos colaterais importantes, não devemos insistir tanto em manter ou progredir dose da HCTZ.