A insuficiência cardíaca é uma das principais causas de hospitalizações em todo o mundo, e o tratamento da maioria dos casos envolve o uso de diuréticos de alça.
Quando um paciente com insuficiência cardíaca não responde adequadamente ao uso de doses elevadas de furosemida, podemos estar diante de uma resistência aos diuréticos devido a uma maior reabsorção de sódio no néfron distal, uma estratégia que pode ser adotada é a associação com hidroclorotiazida. Essa abordagem visa realizar um bloqueio sequencial do néfron, proporcionando um efeito sinérgico e otimizando o efeito diurético.
Mas será que essa abordagem realmente funciona? A resposta é: SIM! E a evidência vem do estudo CLOROTIC trial.
RESUMO DO ESTUDO
Artigo: “Combining loop with thiazide diuretics for decompensated heart failure: the CLOROTIC trial” ([link](https://acrobat.adobe.com/link/review?uri=urn%3Aaaid%3Ascds%3AUS%3A23f31c56-f59b-3173-9b03-216a2d70f4d4))
Revista: European Heart Journal, publicado em 24 de novembro de 2022.
Este foi um estudo multicêntrico, prospectivo, randomizado e duplo-cego realizado na Espanha. Foram selecionados pacientes adultos (>18 anos) com diagnóstico de insuficiência cardíaca (com fração de ejeção preservada ou reduzida) que haviam sido hospitalizados há menos de 24 horas devido à insuficiência cardíaca descompensada. Esses pacientes já estavam em uso de furosemida na dose de 80-240 mg/dia por pelo menos um mês antes da internação.
Foram excluídos pacientes instáveis, com choque cardiogênico, em tratamento com inotrópicos ou que necessitaram de internação em UTI. Também foram excluídos pacientes que já estavam em uso prévio de diuréticos tiazídicos, bem como aqueles com hipocalemia e hiponatremia graves (potássio \< 2,5 mmol/L e/ou sódio \< 125 mmol/L).
Os pacientes foram randomizados (1:1) para receberem Hidroclorotiazida ou Placebo por 5 dias. Todos os pacientes receberam o mesmo protocolo de furosemida intravenosa, seguindo o protocolo DOSE AHF trial ([link](https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/nejmoa1005419)). A dose inicial da hidroclorotiazida foi ajustada de acordo com a taxa de filtração glomerular estimada (MDRD), sem ajustes adicionais durante o tratamento:
* TFGe > 50 ml/min: 25 mg/dia
* TFGe 20-50 ml/min: 50 mg/dia
* TFGe \< 20 ml/min: 100 mg/dia
O objetivo do estudo foi avaliar a perda de peso e a melhora da dispneia dos pacientes após 72 horas da randomização. O critério de segurança adotado foi elevação da creatinina > 0,3 mg/dL ou elevação da TFGe > 50% em relação ao valor basal.
RESULTADOS
No período de 2014 a 2019, foram incluídos 230 pacientes no estudo. A idade média dos pacientes foi de 83 anos, e a mediana da TFGe foi de 43 ml/min/1,73m². Quanto à classificação da insuficiência cardíaca descompensada, 51% dos pacientes estavam na classe funcional NYHA III e 10% na classe NYHA IV.
Foi observada uma maior redução de peso após 72 horas nos pacientes que receberam hidroclorotiazida em comparação com o grupo placebo (-2,3 kg vs. -1,5 kg), uma diferença de -1,14 kg (IC 95%: -1,84 a -1,42, p = 0,002). Não foi observada diferença significativa na escala de dispneia entre o grupo que recebeu hidroclorotiazida e o grupo placebo.
Na alta hospitalar, foi observada uma tendência de maior perda de peso nos pacientes do grupo que recebeu hidroclorotiazida, mas sem diferença estatisticamente significativa (-2,95 kg vs. 2,20 kg, p = 0,261).
O grupo que recebeu hidroclorotiazida apresentou uma maior produção de urina nas primeiras 24 horas (1775 ml vs. 1400 ml, p = 0,05) e uma maior perda de peso para cada 40 mg de furosemida administrada em 72 horas e 96 horas. A dose total de furosemida foi maior no grupo placebo, mas sem diferença estatisticamente significativa (375 mg vs. 340 mg, p = 0,145). Houve uma maior reduçãona dose de furosemida no grupo que recebeu hidroclorotiazida (31,5% vs. 17,4%, p = 0,045).
Não foram observadas reduções no tempo de internação hospitalar e mortalidade.
Em relação aos eventos adversos, a alteração da função renal foi mais frequente no grupo que recebeu hidroclorotiazida (46,5% vs. 17,2%, p \< 0,001). O grupo que recebeu hidroclorotiazida também apresentou taxas mais altas de hipocalemia (potássio \< 3,0 mmol/L). Não houve diferenças significativas em relação a eventos adversos graves, exceto pelo caso isolado de um paciente do grupo placebo que necessitou de hemodiálise. Hipotensão sintomática não foi relatada, e a hipotensão assintomática (pressão arterial \< 90 mm Hg) foi semelhante nos dois grupos.
[OPINIÃO NEFROATUAL](https://www.nefroatual.com.br/nefroupdates/existe-beneficio-em-adicionar-hidroclorotiazida-no-tratamento-da-insuficiencia-cardiaca-descompensada/#)
Este estudo demonstrou que a adição de hidroclorotiazida à furosemida intravenosa pode melhorar a resposta diurética em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada. Foi observado benefício na perda de peso.
Este é o primeiro estudo randomizado e duplo-cego a investigar o uso de tiazídicos na insuficiência cardíaca descompensada e confirma o efeito benéfico da associação com hidroclorotiazida nesse contexto.
Quanto aos desfechos de segurança, foi observada uma maior elevação da creatinina no grupo que recebeu hidroclorotiazida. No entanto, é importante ressaltar que o processo de “descongestão” pode levar a uma elevação transitória da creatinina, que até pode ser considerada uma resposta adequada e não parece aumentar o risco de lesão renal aguda grave, desde que a perda ponderal se mantenha dentro dos limites de 0,5-1,0 kg/dia.
Diferentemente do que observamos na prática clínica, a incidência de hiponatremia ou hipocalemia grave não foi elevada nesse estudo. No entanto, é importante destacar que o risco dessas complicações aumenta com o aumento da dose dos tiazídicos, sendo que o estudo utilizou doses fixas.
Assim como o estudo ADVOR trial ([link](https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2203094)), que encontrou benefício no tratamento da descongestão com a adição de acetazolamida ao esquema com diuréticos de alça, o CLOROTIC trial mostrou benefício com o uso de hidroclorotiazida.
O aprendizado com este estudo é que, no tratamento da insuficiência cardíaca descompensada em pacientes que já fazem uso crônico de furosemida (>80mg/dia), a associação de furosemida intravenosa com hidroclorotiazida via oral, visando o bloqueio sequencial do néfron, auxilia no processo de descongestão!