Mais um caso muito interessante e disponível no Kidney 360 ([link](https://journals.lww.com/kidney360/Fulltext/2022/12000/Rash,_Abdominal_Pain,_Proteinuria,_and_AKI_after.28.aspx))
Um jovem do sexo masculino de 19 anos apresentou-se com queixa de dor abdominal intensa e quadro de erupção cutânea em extremidades (características de vasculite leucocitoclástica) (Figura 1).
Feito hipótese diagnóstica de Vasculite por IgA (VIgA) com base na apresentação clínica, e iniciado tratamento com prednisona. Na avaliação inicial o paciente apresentava creatinina basal de 1,0 mg/dl.
Com evolução do caso foi observado elevação da creatinina sérica para 1,6 mg/dl, e identificado relação proteína/creatinina 5,42 g/g na urina. Realizado biópsia renal que identificou padrão compatível com Nefropatia por IgA com 15% de crescentes e classificação de Oxford M1, E0, S0, T0 e C1 (Figura 2, A e B).
Foi optado por manter prednisona e associar micofenolato de mofetila e losartana a esquema. Foi observado uma melhora da proteinúria (redução de 5,42 para 3,4 g/g), porém a creatinina sérica permaneceu entre 1,6 e 2,2 mg/dl ao longo dos 3 meses subsequentes.
Posteriormente, ele recebeu as duas doses iniciais da vacina Pfizer-BioNTECH contra a COVID-19, sendo observado a partir deste momento uma elevação súbita da creatinina (1,8 >3,4 >5,0 mg/dl) no período de 8 semanas.
Diante da piora inesperada foi optado por repetir biópsia renal que mostrou novamente um padrão de glomerulonefrite por IgA com 33% de crescentes, além de leve atrofia tubular e fibrose intersticial (classificação de Oxford foi M1, E1, S0, T0 e C2).
Foram tentados vários regimes de imunossupressão de resgate, incluindo tacrolimo, ciclofosfamida e rituximabe. No entanto, paciente evoluiu para DRCT com necessidade de iniciar hemodiálise.
IMAGEM
![Figura 1: Lesões cutâneas na apresentação do quadro.](/IgA_vasculite....webp)
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PONTOS IMPORTANTES
A Vasculite por IgA é uma das formas mais comuns de vasculite na infância, que pode afetar vários órgãos. O acometimento renal (Nefropatia por IgA) decorre da deposição de imunocomplexos contendo IgA1 com deficiência de galactose, levando à formação subsequente de anticorpos contra as células endoteliais. A hipótese atualmente mais aceita é a de múltiplos hits em que inicialmente ocorre: aumento dos níveis de IgA1 com deficiência de galactose, formação de anticorpos que formarão complexos imunes com ativação complemento e deposição de complexos imunes no mesângio.
Foram descritos flares da NIgA após a vacinação para COVID-19, mas o mecanismo exato de como acontece não está bem definido. As vacinas de mRNA criam respostas imunes mais fortes das células T CD4 e CD8. As células T CD4 e CD8 ativadas produzem citocinas pró-inflamatórias, incluindo IFN-γ e TNF-α. A principal hipótese é que níveis mais elevados de IFN-α podem desencadear o processo patogênico da vasculite/NIgA. Estudos adicionais devem investigar os efeitos das respostas imunes produzidas pelas vacinas de mRNA e seu efeito nas doenças glomerulares.
APRENDIZADOS COM O CASO
Dor abdominal e sintomas gastrointestinais acompanhados de uma erupção leucocitoclástica devem nos fazer pensar em vasculite por IgA.
O prognóstico da nefropatia secundária a vasculite por IgA é altamente variável, mas deve nos chamar atenção quando se apresenta com crescentes na biópsia renal.
A vacinação de mRNA causa uma resposta imune das células T com liberação de citocinas, que tem sido considerada como um possível gatilho para a patogênese da vasculite por IgA com nefropatia.