Pois é, foi isso que o estudo “A Randomized Trial of Intravenous Amino Acids for Kidney Protection" publicado no New England nos mostrou neste mês de junho de 2024 ([link aqui](https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2403769)). Vamos entender um pouco melhor de forma simplificada e resumida?
Introdução e Contexto
A Injúria renal aguda (IRA) é uma complicação comum e séria após cirurgias cardíacas, frequentemente causada por uma hipoperfusão (média de 50% de redução quando usado circulação extracorpórea).
Mas qual a lógica por trás da infusão de aminoácidos e prevenção da IRA?
* Estudos em Animais: houve aumento da perfusão renal, da oxigenação renal e elevou a TFG (há vasodilatação da arteríola aferente, diminuição do feedback tubuloglomerular e elevação da atividade do oxido nítrico)
* Estudos Piloto em Humanos: Mostraram que a infusão de aminoácidos é segura, que há efeitos benéficos em curto e longo prazos na função renal após cirurgia cardíaca com potenciais benefícios de sobrevida em pacientes críticos em geral.
Assim foi pensado no estudo que teve como metodologia:
* O estudo foi multinacional, duplo-cego e randomizado, envolvendo 3511 pacientes adultos em 22 centros de três países.
* Os pacientes foram randomizados para receber uma infusão intravenosa de uma mistura balanceada de aminoácidos ou placebo (solução de Ringer) por até 3 dias após a cirurgia
* O desfecho primário foi a ocorrência de IRA, definida pelos critérios de creatinina do Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO).
Resultados
* A IRA ocorreu em 26.9% dos pacientes no grupo dos aminoácidos e em 31.7% no grupo do placebo, indicando uma redução relativa de risco de 15% no grupo dos aminoácidos. (RR, 0.85; 95% IC 0.77 to 0.94; P=0.002)
* A IRA KDIGO 3 ocorreu em 1.6% (29 pacientes) dos pacientes no grupo dos aminoácidos e em 3.0% (52 pacientes) no grupo do placebo.
* Não houve diferenças significativas entre os grupos em outros desfechos secundários ou em eventos adversos.
Conclusões
* A infusão de aminoácidos intravenosos reduziu a ocorrência de IRA em pacientes adultos submetidos a cirurgia cardíaca.
* A infusão foi segura e não aumentou os eventos adversos, sugerindo uma possível implementação prática.
Discussão
* A infusão de aminoácidos pode melhorar a taxa de filtração glomerular (TFG) ao recrutar a reserva funcional renal e melhorar a perfusão medular renal.
* Esses achados são clinicamente importantes, pois a IRA após cirurgia cardíaca está associada a uma maior mortalidade e risco de doença renal crônica.
* Limitações do estudo incluem a definição de IRA baseada apenas nos níveis de creatinina sérica e a falta de outros biomarcadores de lesão renal.
Implicações Clínicas e opinião do Nefroatual
* O estudo sugere que a infusão de aminoácidos pode ser uma estratégia eficaz para a proteção renal em cirurgias cardíacas.
* A intervenção é relativamente simples e pode ser implementada na prática clínica para reduzir a incidência de IRA em pacientes de alto risco.
Apesar de a infusão de aminoácidos ter mostrado benefícios no estudo, incluindo a redução dos casos de IRA KDIGO 3, é importante considerar algumas questões.
Primeiramente, qual é o impacto real do efeito observado? Será que a diferença é apenas estatística ou tem relevância clínica? A diferença no número de pacientes com IRA foi estatisticamente significativa, mas em termos
absolutos, não foi tão grande. Outro ponto importante é que, apesar de haver menos casos de IRA, isso não resultou em melhorias em desfechos importantes como necessidade de diálise, mortalidade, tempo de internação e ventilação mecânica. O cálculo do NNT deste estudo mostra que seria necessário tratar 21 pacientes com a solução de aminoácidos para evitar um episódio de IRA. No entanto, sem diferenças em desfechos mais relevantes. Ou seja, será que esta intervenção se justifica?
Enfim, precisamos ponderar esses aspectos, especialmente considerando que a solução de aminoácidos é mais cara que a solução de Ringer. Focar apenas na elevação de creatinina pode não ser suficiente para justificar a adoção dessa estratégia, sem uma clara vantagem nos desfechos clínicos mais importantes.
O que você acha? Faz sentido?