O objetivo do tratamento da nefrite lúpica é induzir a remissão da doença, evitar novos flares e melhorar os desfechos renais a longo prazo. A falha em induzir remissão clínica está associada a uma elevada cobimortalidade. Além disso, mesmo quando há remissão clínica e sorológica, ao repetir biópsia renal, por vezes, ainda há inflamação histológica ativa. Será que isso significa que a suspensão do tratamento nestes pacientes está associada a um maior risco de novos flares?
Já abordamos esse tema em POST ([confere aqui](https://www.nefroatual.com.br/nefroupdates/posts/desmame-de-imunossupressores-na-nefrite-lpica-como-fazer-de-forma-mais-segura)), mas esse novo artigo adiciona mais conhecimento ao tema.
Não há um consenso sobre a duração ideal da terapia de manutenção na nefrite lúpica. Se por um lado a suspensão da imunossupressão pode estar associada a um aumento do risco de um novo flare, a manutenção desses medicamentos a longo prazo está associada à elevada morbidade, como lesões orgânicas irreversíveis e malignidades.
Uma nova biópsia renal pode nos ajudar? Sabe-se que achados histológicos como crescentes celulares, cariorréxis e necrose fibrinoide rapidamente se resolvem durante a terapia inicial. Enquanto que a hipercelularidade endocapilar, os depósitos hialinos e a inflamação intersticial demoram mais para reverter, podendo demorar três anos ou mais. Já os depósitos de imunoglobulinas e complemento na imunofluorescência podem chegar a 10 anos até completa resolução.
Dessa forma, este artigo publicado no JASN neste mês de Abril/2024 ([disponível aqui](https://journals.lww.com/jasn/pages/articleviewer.aspx?year=9900\&issue=00000\&article=00285\&type=Citation)), sugere combinar dados histológicos e clínicos para aumentar a chance de suspender a imunossupressão no momento certo.
O artigo revisou alguns trials sobre esse tema:
WIN-Lupus Trial: 96 pacientes com nefrite lúpica proliferativa após 2 a 3 anos de tratamento e remissão parcial (função renal estável, sedimento urinário inativo e proteinúria \< 0,5 g/dia) ou completa (função renal estável, sedimento urinário inativo e proteinúria \< 0,2g/dia) foram randomizados para suspender ou manter mais 2 anos a imunossupressão:
* Houve flare em: 12.5% dos pacientes que continuaram com imunossupressão e 27.3% dos pacientes que pararam
imunossupressão, porém sem diferença estatisticamente significativa.
LuFla Trial: 44 pacientes em terapia por 36 meses e remissão completa (função renal estável, sedimento urinário inativo e proteinúria \< 0.5g/dia) há pelo menos 12 meses que foram submetidos a rebiópsia e posteriormente, suspensa imunossupressão:
* 25% tiveram novo flare, sendo que 91% destes tinham atividade histológica persistente em biópsia renal. Além
disso, todos os pacientes com índice de atividade na rebiópsia maior que 2 recorreram.
* Análise multivariada verificou que a presença de hipercelularidade endocapilar foi o achado histológico que
melhor se associou com risco de novo flare após suspender imunossupressão (ROC 0.99).
Coorte publicada no Kidney International em 2020: 75 pacientes com pelo menos 42 meses de tratamento foram rebiopsiados e, ao documentar remissão clínica e histológica completa (índice de atividade zero), foi suspensa imunossupressão. Nos que tinham atividade histológica residual, foi mantida imunossupressão e rebiopsiado em 1 ano: Apenas 9.2% tiveram novo flare.
Dessa forma, esse artigo traz as seguintes definições e o algoritmo a seguir:
Critérios de remissão:
Completa:
* Função renal normal ou estável
* Sedimento urinário ativo
* Ausência de atividade extrarrenal
* Proteinúria \< 0.5 g/dia
Parcial:
* Função renal normal ou estável
* Sedimento urinário ativo
* Ausência de atividade extrarrenal
* Proteinúria com redução de pelo menos 50% e menor que 3 g/dia
O paciente deve ser avaliado quanto necessidade de rebiópsia nos seguintes momentos:
**12 meses do diagnóstico** da nefrite lúpica e paciente em imunossupressão associada ao uso de
hidroxicloroquina:
* Remissão completa: manter imunossupressão
* Remissão parcial: considerar biópsia
* Se o índice de atividade melhorar, manter imunossupressão;
* Se o índice de atividade não tiver melhorado, considerar trocar esquema imunossupressor.
**36 a 42 meses do diagnóstico** da nefrite lúpica e paciente em imunossupressão associada ao uso de
hidroxicloroquina com remissão completa ou parcial em 12 meses:
Repetir biópsia renal:
* Índice de atividade > 2: manter imunossupressão;
* Índice de atividade 1 ou 2: avaliar risco vs benefício, mas considerar manter imunossupressão;
* Índice de atividade 0: considerar descontinuar imunossupressão.
**60 a 68 meses do diagnóstico** da nefrite lúpica e paciente em imunossupressão associada ao uso de
hidroxicloroquina com remissão completa ou parcial em 12 meses:
* Índice de atividade > 1: continuar imunossupressão;
* Índice de atividade 0 ou cronicidade suficiente para que o risco de imunossupressão supere o benefício:
considerar descontinuar imunossupressão, mantendo hidroxicloroquina.
**Opinião do Nefroatual**: A duração ideal do tratamento nas classes proliferativas da NL não é conhecida. O KDIGO de 2024 sugere que sejam pelo menos 36 meses considerando tempo da terapia de indução e manutenção. No entanto, como nem sempre a resposta clínica reflete a resolução da inflamação histológica, apesar das evidências ainda serem fracas, após 3 anos de tratamento uma nova biópsia renal pode ajudar a decidir o melhor momento de suspender a imunossupressão. Reforçando que esse procedimento deve ser realizado em um centro de referência
em que as taxas de complicações são baixas.