Artigo de Referência: Roman-Ulrich Müller, Dominique Guerrot, Michel Chonchol et al. Nephrology Dialysis Transplantation, 2025.
Caso clínico
Joana tem 32 anos, é professora, saudável e ativa. Hipertensa desde os 25, descobriu recentemente o diagnóstico de Doença Renal Policística Autossômica Dominante (DRPAD). Seu rim esquerdo mede 17 cm e o direito 16,5 cm. A função renal ainda é preservada (eTFG de 88 mL/min/1,73m²), sem albuminúria significativa. Tolvaptana? Ainda não cogitou. Mas na última consulta ela perguntou:
“Doutor, esses remédios novos que protegem o rim — tipo a empagliflozina — não poderiam me ajudar a frear a doença?”
E aí, o que você responderia?
que a ciência já mostrou sobre os iSGLT2 na DRC?(Isso vocês do NU já sabem J)
Muito, e de forma muito consistente.
Os big three, 3 grandes ensaios clínicos — CREDENCE, DAPA-CKD e EMPA-KIDNEY — mudaram o jogo no tratamento da Doença Renal Crônica. Eles mostraram que os iSGLT2:
* Reduzem pressão intraglomerular (via feedback túbulo-glomerular),
* Diminuem albuminúria e risco de lesão tubular,
* Melhoram hemodinâmica sistêmica e promovem leve cetose,
* Protegem contra lesão renal aguda (IRA),
* Têm efeito antifibrótico e anti-inflamatório.
* Diminuem a progressão da DRC
* Diminuem a mortalidade Cardiovascular e a necessidade de TRS
Esses efeitos ocorrem independentemente da presença de diabetes.
Mecanismo de ação dos iSGLT2 em DRC – Figura esquemática do artigo (editada para fins didáticos)

Mas por que os pacientes com DRPAD ficaram de fora desses trials?
Boa pergunta... E a resposta é simples: foram excluídos sistematicamente por precaução…
A DRPAD tem características únicas:
* É uma doença genética com progressão lenta, mas inevitável
* Costuma apresentar baixa albuminúria,
* E o dano primário não é glomerular, mas estrutural, com formação de cistos que expandem ao longo dos anos.
* Os estudos com iSGLT2 foram desenhados para doenças glomerulares e túbulo-intersticiais, com albuminúria significativa e TFGe abaixo de 60 mL/min. A maioria dos pacientes com DRPAD nem sequer preencheria os critérios de inclusão desses trials...
Mas pode fazer mal usar nos pacientes com DRPAD? E os estudos pré-clínicos? Promissores ou preocupantes?
Essa é a parte mais intrigante...
Nos estudos com animais portadores de doença renal policistica tivemos resultados conflitantes:
* Alguns mostraram redução da albuminúria e melhora da função renal com iSGLT2.
* Outros mostraram aumento do volume dos cistos e peso renal após uso de dapagliflozina.
Há também modelos in vitro com organoides humanos sugerindo que a hiperglicemia pode estimular crescimento cístico, e que os iSGLT2 poderiam reduzir essa expansão.
Ou seja, o que temos é um quebra-cabeça com peças que não se encaixam completamente…
Resumo dos estudos pré-clínicos em modelos de DRPAD

E os riscos? O que devemos observar?
Além dos achados pré-clínicos, há riscos teóricos específicos para a DRPAD:
* Aumento da vasopressina: o uso de iSGLT2 leva à diurese osmótica, que estimula a liberação de vasopressina — exatamente o oposto do que queremos na DRPAD, onde o tolvaptan age inibindo esse eixo.
* Infecções urinárias e císticas: embora os grandes trials mostrem risco maior apenas para infecções genitais, o receio com cistos infectados em DRPAD persiste.
Tudo isso justifica a cautela das diretrizes, que atualmente não recomendam iSGLT2 para DRPAD.

E os dados clínicos disponíveis?
Hoje, são apenas relatos de caso e séries retrospectivas…Alguns apontam aumento de Volume renal total, outros melhora na queda da TFGe. Mas são estudos com limitações importantes (sem grupo controle, medição estimada de volume renal etc.).
O KDIGO 2025 foi claro: “os iSGLT2 não são recomendados para pacientes com DRPAD neste momento, por ausência de evidência clínica”.
🔬 O que vem por aí?
Essa parte anima!
Estão em curso ou em preparação seis ensaios clínicos focados em DRPAD, sendo dois deles de fase 3, com o poder estatístico necessário para avaliar eficácia real:
1. DAPA-PKD: coordenado na França, vai recrutar 400 pacientes e avaliar impacto sobre o volume renal por ressonância.
2. STOP-PKD: coordenado na Alemanha e Holanda, com 420 pacientes, usará a queda anual da eTFG como desfecho primário.
Ambos excluem o uso de tolvaptan, por possíveis interações e efeitos colaterais.
Visão geral dos estudos clínicos em andamento com iSGLT2 na DRPAD

Esses estudos devem finalmente responder: os iSGLT2 protegem ou prejudicam o rim policístico?
Recado final do NefroAtual
Enquanto esperamos os resultados dos trials, a recomendação é clara: ainda não é hora de prescrever iSGLT2 para pacientes com DRPAD fora de protocolos de pesquisa. Mas o interesse é real — e justificado.
Se os efeitos antifibróticos, anti-hipertensivos, de perda de peso e melhora metabólica dos iSGLT2 se confirmarem em DRPAD, poderemos, sim, ter uma nova arma terapêutica.
E para pacientes que tem indicação de usar por ser diabético, ter doença CV estabelecida ou ter albuminúria significativa? O que fazer? Eu recomendo iniciar já que os estudos são muito robustos com benefícios claros em redução de desfechos como morte e inicio de TRS mesmo que haja maleficio teórico. Mas claro, conversar sempre com o paciente e expor as lacunas e os possiveis maleficios para uma decisão compartilhada J
E você? Já se perguntou se valeria a pena testar empagliflozina ou dapagliflozina nos seus pacientes com DRPAD? Já viu alguém usar?
Vamos continuar de olho. E assim que os resultados saírem, a gente te atualiza aqui no NefroAtual
