Caso clínico ilustrativo:
Dona Maria, 73 anos, com DRC estágio 4, hipertensão mal controlada mesmo em uso de BRA, bloqueador de canal de cálcio e betabloqueador. Queixa-se de pernas inchadas, sonolência ao longo do dia e queda da pressão ao levantar. No consultório, TFGe de 21, potássio de 4,8 e PA média de 152x92 mmHg. Já está usando furosemida 80mg 2x/dia, mas sem grande resposta. O que fazer?
* Ainda vale a pena usar tiazídicos com essa TFGe?
* Posso associar espironolactona?
* Quais são os riscos de hiponatremia ou hipercalemia?
* Como avaliar e manejar resistência ao diurético?
Conversando com você, amigo nefrologista:
Você já deve ter ouvido (ou falado!) a frase “com TFGe <30, tiazídico não funciona mais”. Mas será que isso ainda é verdade?
O estudo CLICK Trial (temos artigos aqui sobre ele), publicado em 2021, mostrou que a clortalidona (um tiazídico de meia-vida longa) reduziu em 11 mmHg a PA sistólica de 24h em pacientes com DRC estágio 4 — mesmo com 60% já usando furosemida e quase todos em BRA ou IECA. Mas a redução de pressão veio com um preço: hipocalemia, hipomagnesemia e creatinina aumentada (reversível ao suspender o tratamento).
E mais: a PA baixou mesmo sem grande perda de peso, sugerindo que o efeito não é só volume-dependente, mas também vascular. Ou seja, tiazídico ainda funciona sim – e com um mecanismo mais complexo do que a gente imaginava…
E a resistência ao diurético?
Neste artigo é relembrado o conceito de “resistência” tem múltiplas causas e é multifatorial:
1. Farmacocinética: absorção reduzida (edema de parede intestinal), competição por transporte tubular, hipoalbuminemia.
2. Farmacodinâmica: hiperativação de RAAS, aumento da reabsorção distal de sódio (ex: por ativação do ENaC na síndrome nefrótica).
3. Pseudorresistência: paciente não aderente à dieta hipossódica ou usa de maneira inadvertida AINEs, por exemplo…
Mas há 7 passos práticos no artigo para manejar a resistência– desde avaliar adesão até combinar diuréticos de alças, tiazídicos e poupadores de potássio (com muito cuidado, claro J)
Sete passos para manejar a resistência ao diurético
1. Excluir pseudorresistência
Edema causado por bloqueadores de canal de cálcio, linfedema, estase venosa ou hipotireoidismo podem simular sobrecarga de volume e não responderão a diuréticos.
2. Garantir restrição adequada de sódio na dieta
Colher sódio urinário de 24h e assegurar que a excreção seja <100 mEq/dia.
3. Avaliar adesão medicamentosa
Pode ser feita por relato do paciente, checagem de receitas, contagem de comprimidos ou até dosagem de nível urinário do diurético.
4. Revisar interações medicamentosas
AINEs, fenitoína e varfarina podem atrapalhar o efeito do diurético — seja por diminuição de secreção tubular ou deslocamento da ligação com proteínas.
5. Ajustar dose do diurético conforme a função renal
A Furosemida deve ser administrada pelo menos 2x/dia. Doses devem ser otimizadas conforme a TFGe.
6. Usar terapia combinada
Adicionar tiazídico, espironolactona ou amilorida. Às vezes, a combinação de três classes é necessária: alça + tiazídico + poupador de potássio.
7. Tratar a doença de base
Controle adequado de IC, cirrose, síndrome nefrótica ou qualquer outra condição que contribua para a sobrecarga de volume.
E a espironolactona, ainda tem lugar na DRC avançada?
Tem sim. No estudo AMBER, pacientes com DRC avançada e hipertensão resistente conseguiram manter a espironolactona com menos risco de hipercalemia ao usar o patiromer, um quelante de potássio.
Mas aqui entra a questão prática: o patiromer ainda não está disponível no Brasil, e o zircônio, embora mais acessível, ainda é usado basicamente em ambiente hospitalar. Ou seja, mesmo que a espironolactona funcione bem para baixar a pressão, em muitos casos ela exige um suporte terapêutico que não está ao alcance da maioria dos nossos pacientes..
Já o finerenone, embora com menor efeito anti-hipertensivo, mostrou um risco significativamente menor de hipercalemia — o que pode fazer dele uma opção mais segura quando o objetivo for proteção cardiorrenal, e não apenas controle pressórico. Mas atualmente tem indicações apenas para pacientes com DM2.
Volume, hipertensão, eletrólitos e até diagnósticos!
Além de tratar hipertensão e hipervolemia, o artigo lembra que os diuréticos nossos importantes aliados em casos de:
Hipercalemia (especialmente os tiazídicos de longa ação como clortalidona e a furosemida)
1. Hipomagnesemia (tratada com amilorida),
2. Hipercalcemia (furosemida com hidratação),
3. SIADH (uso crônico de furosemida com NaCl oral),
4. E até na avaliação de acidose tubular distal ou gravidade da IRA (com o furosemide stress test).
Mensagem final do NefroAtual:
Se você ainda hesita em usar diuréticos na DRC avançada, especialmente os tiazídicos, talvez seja hora de revisar seus conceitos. Diuréticos não são apenas ferramentas antigas, mas aliados versáteis e modernos quando bem indicados, monitorados e combinados. E não tem apenas efeito natriurético! J
E você, já usou clortalidona em um paciente com TFGe <30? Já se deparou com resistência ao diurético e teve que improvisar uma associação? Conhecia os 7 passos?
Referência do artigo: Agarwal R, Verma A, Georgianos PI. Diuretics in patients with chronic kidney disease. Nature Reviews Nephrology. 2024.