O tratamento da síndrome hepatorrenal tipo 1 (SHR-1) é um desafio na prática clínica, frequentemente envolvendo vasoconstritores e reposição volêmica. Como bons nefrologistas aprendemos que para fechar critério diagnóstico para SHR devemos antes de tudo descontinuar o uso dos diuréticos e iniciar albumina. Após fechar o diagnóstico de SHR tipo 1 evitamos o uso de diuréticos.
É comumente assumido que os diuréticos podem desencadear o desenvolvimento de SHR tipo 1, como resultado da diminuição volume sanguíneo arterial efetivo, desencadeando cascata hormonal que causa vasoconstrição renal excessiva. Assim, uma vez estabelecido o diagnóstico de SHR, os diuréticos raramente são utilizados devido a preocupações de agravar o curso clínico, aumentando ainda mais uma fisiologia hepatorrenal desadaptativa.
Recentemente foi publicado no KI Reports o estudo Addition of a Loop Diuretic to Norepinephrine During Treatment of Hepatorenal Syndrome Type 1 ([link](https://www.kireports.org/article/S2468-0249\(24\)02034-5/fulltext)). Este estudo inovador explora a adição de diuréticos de alça, tradicionalmente evitados nesse contexto, ao tratamento com norepinefrina, fornecendo novas perspectivas.
O estudo avaliou o impacto da adição de furosemida intravenosa ao tratamento com norepinefrina em pacientes hospitalizados com critérios bem definidos para SHR tipo 1. Foram analisados 26 pacientes que receberam ambos os tratamentos (norepinefrina e furosemida) e comparados com um grupo controle (22 pacientes tratados apenas com norepinefrina). A meta de elevação de pressão arterial média (PAM) foi ≥15 mm Hg foi buscada em todos os pacientes. A mediana de creatinina no início do tratamento com norepinefrina era de 4 mg/dL (2,7-5 mg/dL). Os principais achados do estudo foram:
Débito urinário:
A furosemida resultou em um aumento significativo no volume urinário diário, de uma mediana de 850 mL/d para 2.073 mL/d (p \< 0,0001). No grupo controle, a produção urinária não apresentou aumento relevante. Quando comparado os grupos foi observado uma média de ganho de diurese de 1400 mL/dia (450–2570 mL/dia).
Função Renal:
O uso combinado de norepinefrina e furosemida manteve ou melhorou a trajetória da creatinina sérica (sCr) em 73% dos pacientes. Além disso, 46% obtiveram melhora superior a 30% na função renal, e 23% apresentaram reversão completa da SHR. Não sendo observado diferenças significativas quando comparado ao grupo com e sem furosemida.
Pressão Arterial Média
O aumento da diurese correlacionou-se positivamente com a magnitude do incremento da PAM induzida pela norepinefrina (r = 0,67, p = 0,0002).
Impacto na Congestão Venosa:
Pacientes com hipertensão portopulmonar apresentaram maior resposta diurética, sugerindo que a presença de congestão venosa pode orientar a estratégia de decongestão.
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Aprendizado:
No tratamento da SHR a prioridade é o aumento da PAM com a utilização de vasopressores. A combinação de norepinefrina com furosemida em pacientes com HRS-1 foi segura e eficaz, proporcionando aumento da diurese sem comprometer a recuperação renal. Estes achados desafiam a prática padrão de evitar diuréticos em SHR tipo 1 e sugerem que, em pacientes adequadamente tratados com vasoconstritores, diuréticos podem desempenhar um papel fundamental no tratamento da hipervolemia.
É essencial compreender que a suspensão da furosemida em casos de IRA no paciente com cirrose geralmente visa descartar uma causa pré-renal. No entanto, uma vez que o diagnóstico de SHR esteja bem estabelecido, o uso de diuréticos pode ser altamente benéfico em pacientes com congestão significativa, podendo ser utilizado para evitar ou postergar uma terapia dialítica.
Impacto Prático
Esta abordagem revisa a prática atual, destacando que nefrologistas podem considerar a introdução de diuréticos em pacientes com SHR tipo 1 tratados com vasoconstritores, particularmente na presença de congestão venosa, para melhorar a diurese e evitar complicações como insuficiência respiratória.