A injúria renal aguda (IRA) secundária à nefropatia por cilindros de cadeias leves é comum nos pacientes com mieloma múltiplo (MM), sendo uma situação associada a elevada morbidade e evolução para falência
renal. O diagnóstico preciso é essencial para o início rápido do tratamento com drogas antimieloma (dexametasona/bortezomibe).
##### Estabelecendo o diagnóstico
Devemos considerar o diagnóstico de nefropatia por cilindros diante de pacientes com IRA (ou DRC) sem uma etiologia bem definida, principalmente nos pacientes com hipercalcemia (\~50%), uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), exame de urina sem alterações e rins de tamanhos normais.
Diante da suspeita clínica e/ou diagnóstico de MM, devemos solicitar a dosagem de cadeias leves livres (CLLs) e eletroforese de proteínas séricas/imunofixação.
A dosagem de CLLs é o principal exame para diagnóstico, valores ≥500 mg/L são altamente sugestivos de nefropatia por cilindros. A maioria dos pacientes se apresenta com IRA grave (KDIGO 3) e valores muito
elevados de CLL sérica (>10.000 mg/L). Diante dessa suspeita, o diagnóstico deve ser confirmado com a realização de biópsia de medula óssea.
Na indisponibilidade de dosagem das CLLs, podemos avaliar a eletroforese em urina de 24 horas, para o achado da proteína de Bence Jones.
Se a dosagem de CLLs for \<500 mg/L, devemos considerar outras etiologias para a IRA, mesmo diante de pacientes com diagnóstico de MM. Nesse caso, devemos quantificar a proteinúria e a albuminúria. Se a proteinúria
é composta principalmente por albumina, devemos pensar em amiloidose ou outra gamopatia monoclonal de significado renal. Porém, se a proteinúria é composta por \<10% de albuminúria, o diagnóstico mais provável será de nefropatia por cilindros.
Importante: em pacientes com forte suspeita clínica de rim no mieloma, não há necessidade de indicar biópsia renal. A biópsia renal fica reservada para pacientes com suspeita de glomeruloesclerose segmentar e focal
(GMSF) com CLLs \<500 mg/L.
##### Como conduzir o tratamento?
Neste momento, deve ser feita uma avaliação conjunta da hematologia e nefrologia. A principal etapa do tratamento é o início das drogas antimieloma, principalmente Dexametasona e Bortezomibe. O tratamento visa à
redução dos níveis de CLL que estão causando o dano renal.
Importante: Diante de um paciente com forte suspeita clínica de rim no mieloma, não devemos atrasar o tratamento para realização da biópsia de medula óssea; nesses casos, pode ser instituído o tratamento com Dexametasona (20-40 mg/dia por 4 dias) até a confirmação diagnóstica e definição do tratamento onco-hematológico.
O prognóstico renal depende da resposta hematológica. Pacientes que, no 21º dia de tratamento com dexametasona/bortezomibe, apresentam uma redução >60% dos valores de CLLs, apresentam recuperação da
função renal em 80% dos casos, com essa resposta, mesmo aqueles pacientes que evoluem com necessidade de diálise apresentam recuperação parcial da função renal.
O tratamento de suporte está resumido na figura abaixo, com atenção especial para hidratação venosa com meta de garantir diurese >3L/dia, evitar o uso de furosemida (exceto em caso de congestão) e tratar a hipercalcemia.
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Uma vez indicada a diálise, devemos fazer algo diferente em nossa prescrição?
Nada! Estudos randomizados que avaliaram o uso de dialisadores High cut-off para a remoção das cadeias leves livres tóxicas não evidenciaram benefício; devemos continuar utilizando os dialisadores de alto-fluxo até que surjam novas evidências.
##### Resultados a longo prazo?
A mortalidade dos pacientes com rim no mieloma melhorou dramaticamente desde a introdução do bortezomibe e de novos agentes quimioterápicos. A sobrevida média global do mieloma aproxima-se agora dos 6 anos. Nos pacientes com IRA com necessidade de diálise, mais de 50% evoluem com descontinuação da diálise, com sobrevida global superior a 80% em 2 anos. Para pacientes que permanecerem em programa de diálise crônica, o transplante renal pode ser oferecido, desde que tenham alcançado critérios de resposta hematológica
completa e sustentada.
Referência: How I Treat Light Chain Cast Nephropathy, CJASN, 2023 ([Link](https://journals.lww.com/cjasn/fulltext/9900/how_i_treat_light_chain_cast_nephropathy.311.aspx))