Este texto foi baseado no excelente artigo de revisão [disponível no NEJM](https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMcp2203385): Gout, publicado em 17 de novembro de 2022
### PONTOS CHAVE
* O diagnóstico é estabelecido com critérios clínicos, porém o padrão-ouro se faz pela identificação de cristais de urato monossódico na análise de aspirado de liquido articular ou tofos
* Medidas anti-inflamatórias devem ser rapidamente tomadas. As medidas devem ser individualizadas de acordo com doenças associadas (DRC, DCV e DM)
* Alopurinol é o medicamento de escolha para reduzir os níveis de ácido úrico. A meta é reduzir ácido úrico abaixo de 6 mg/dl
* Medidas isoladas de mudanças do estilo de vida como dieta e atividade física auxiliam, mas são apenas parte do tratamento
## RESUMO
A gota é uma doença crônica decorrente da deposição de cristais de urato monossódico nas articulações causando artrite. Os episódios de artrite são autolimitados (dias a semanas), porém os períodos entre as crises podem ser reduzidos e os episódios ficarem mais intensos se o tratamento adequado não dor instituído.'
Até 15% dos pacientes desenvolvem doença avançada com nódulos subcutâneos, artrite sem remissão e deformidade articular.
A presença de hiperuricemia é uma condição necessária, mas não é o único fator de risco para gota, ácido úrico > 6,8 mg/dl aumenta em três a cinco vezes o risco de gota, o fator hereditário é identificado em 60%.
Apesar de ser mais comum em homens, mulheres mais frequentemente apresentam hipertensão, DRC e envolvimento articular atípico levando a um atraso diagnóstico.
**Dicas na avaliação de uma paciente com crise de gota**
Tipicamente os *flares* iniciam-se com envolvimento monoarticular no pé (articulação metatarsofalangeana) ou tornozelo. Episódios são caracterizados por serem de início abrupto com dor e edema local em um paciente com condições associadas ou hiperuricemia.
É muito importante lembrar de dois diagnósticos diferenciais: **pseudogota** e **artrite séptica.** Pode não ser possível a diferenciação com dados clínicos, assim avaliação do líquido articular para identificação dos cristais e exames de imagem podem auxiliar.
**São características muito sugestivas de gota:**
1. Envolvimento monoarticular, especialmente a articulação metatarsofalangeana.
2. Início muito agudo com dor evoluindo de intensidade muito rápido (intensidade máxima em 24 horas).
3. Eritema na articulação.
4. Intolerância a pressão, seja palpação, deambulação ou peso sobre a articulação.
5. Episódios prévios semelhantes com resolução espontânea.
6. Homem, com hiperuricemia e doenças associadas (DRC).
7. Presença de nódulos subcutâneos ou tofos.
Sabemos que o achado de ácido úrico normal em uma crise de gota não afasta o diagnóstico, porém valores normais do ácido úrico em avaliações seriadas, principalmente fora das crises de artrite, sugerem outro diagnóstico que não gota.
**Tratamento na fase aguda**
Na fase aguda de um *flare* o tratamento rápido se associa com resolução da dor e reestabelecimento das atividades, a colchicina geralmente é a primeira escolha, porém o tratamento deve ser individualizado baseado nas comorbidades dos paciente:
**Terapia na fase aguda de uma crise de gota**
Colchicina:
* Crise: 1,0mg VO ataque, seguido 0,5mg 12/12 horas por 7-10 dias.
* Profilaxia: 0,5mg 1-2 vezes ao dia
* Contraindicações: Cirrose hepática DRC com TFGe \<20-30ml/min, medicamentos interferem citocromo p450 (ex. claritromicina, itraconazol)
Prednisona:
* Crise: 0,5mg/kg, seguido desmame gradual em 7-10 dias.
* Profilaxia: 5-10mg 1 vez do dia
* Contraindicações: diabetes descompensado, infecção
AINE
* Crise: Diclofenaco 50 mg 2 vezes ao dia por 7-10 dias
* Profilaxia: Naproxeno 250mg 2 vezes ao dia
* Contraindicação: DRC, HAS, Úlcera péptica, Uso de anticoagulantes, doença cardiovascular severa
Regimes alternativos: Inibidores interleucina 1 (anakinra, canakinumab e rilonacept); Corticotropina
### DICAS PRÁTICAS:
* Colchina é o medicamento de primeira escolha, ficar de olho nos quadros de diarreia.
* Prednisona deve ser evitado em paciente com diabetes descompensado, caso esta seja a única opção (um paciente com DRC que não pode receber colchicina ou AINE), lembrar que aplicação intra-articular pode ser utilizada
* AINE é sempre uma preocupação em paciente hipertenso e com DRC, 75% dos pacientes com gota, apesar de em algumas condições fazermos uso por curto intervalo de tempo, não devemos utilizar para profilaxia nestes pacientes
* Casos severos podemos fazer associação com colchinha + AINE ou corticóide
* Devemos manter doses de profilaxia até conseguirmos atingir o alvo de ácido úrico
**Tratamento de redução dos níveis de ácido úrico**
Preferimos a abordagem guiadas por metas, isto é, progressão de doses até um alvo de de ácido úrico inferior a 6 mg/dl conforme orientação da EULAR, esta abordagem reduz de forma interessante o número de crises de gota.
Devemos indicar terapia de redução de ácido úrico se:
* Crises recorrentes (≥2 crises/ano).
* Presença tofos.
* Evidência de dano/erosão articular.
O **Alopurinol** é o medicamento de primeira escolha, é um inibidor de xantina oxidase utilizado desde 1960. Iniciar na dose de 100mg/dia, podemos progredir a dose até 800mg/dia para atingir a peta de ácido úrico \< 6,0 mg/dl.
Apesar de rara e potencialmente fatal a síndrome de hipersensibilidade ao alopurinol pode ocorrer em alguns pacientes, principalmente nos portadores do alelo de risco HLA-B\*5801 (risco maior em descendentes asiáticos e africanos). Neste caso podemos utilizar o **Febuxostat** (40-80 mg via oral, 1 vez ao dia) que também é um inibidor de xantina oxidase, mas até o momento não está disponível no Brasil, o estudo STOP Gout trial mostrou ser seguro e tão eficaz quanto o alopurinol para redução do ácido úrico.
**Não** utilizar alopurinol em pacientes transplantados em uso de azatioprina, se for usar utilizar realizar redução em 50% da dose da azatioprina e realizar acompanhamento rigoroso pelo risco de mielotoxicidade.
Outros medicamentos que são opção para redução ácido úrico:
* Benzbromarone (uricosúrico): dose oral de 50-200mg 1 vez ao dia.
* Probenecida (uricosúrico): dose oral de 250-500mg de 12/12 horas. Evitar se úlcera péptica ativa.
* Pegloticase (uricase recombinante): 8mg IV 15/15 dias.
**É indicado profilaxia no momento em que se inicia ou ajusta a terapia de redução do ácido úrico uma vez que variações nos níveis do ácido úrico podem precipitar uma crise.**
**Como progredir a dose do Alopurinol**
* Manter tratamento de manutenção com colchicina 0,5mg 1 vez ao dia, progredir a dose de alopurinol a cada 03-06 semanas até alvo de ácido úrico \< 6mg/dl, evitando a inercia terapêutica.
* A terapia anti-inflamatória pode ser interrompida após atingir o alvo de redução do ácido úrico e o paciente estiver livre de crises de gota por pelo menos 01 mês.
* O tratamento com alopurinol deve ser mantido, bem como intervenções com mudança do estilo de vida (dieta/atividade física).
**É importante lembrar também:**
* Lembrar dos medicamentos que aumentam ácido úrico, como os diuréticos tiazídicos. Medicamentos betabloqueadores, IECA e BRA (exceto losartana) aumentam o risco de gota. Medicamentos como losartana, bloqueadores canais cálcio, fenofibrato e inibidores SGLT2 reduzem os níveis de ácido úrico.
* Cobrar a adesão à terapia de redução do ácido úrico: mais da metade dos pacientes abandonam tratamento após 01 ano de uso.
* Manter tratamento de manutenção com colchicina 0,5mg 1 vez ao dia, progredir a dose de alopurinol a cada 03-06 semanas até alvo de ácido úrico \< 6mg/dl, evitando a inercia terapêutica.
* A terapia anti-inflamatória (colchinha ou AINE ou corticóide) pode ser interrompida após atingir o alvo de redução do ácido úrico e o paciente estiver livre de crises de gota por pelo menos 01 mês. O tratamento com alopurinol deve ser mantido, bem como intervenções com mudança do estilo de vida (dieta/atividade física).
* Uricosúricos são menos eficazes quando o paciente possui DRC.