O prurido é um sintoma comum em pacientes com doença renal crônica (DRC), podendo ocorrer tanto em pacientes em tratamento conservador quanto em diálise. Este é um quadro que impacta significativamente a qualidade de vida dos pacientes com DRC. Portanto, é essencial abordá-lo com atenção e de maneira abrangente, evitando subestimar as queixas dos pacientes.
Sempre que pensamos em prurido urêmico, lembramos da subdiálise. Na década de 1980, esse sintoma afetava de 50% a 90% dos pacientes em diálise. No entanto, cada vez mais nos deparamos com pacientes que recebem uma dose adequada de diálise, mas ainda apresentam sintomas persistentes.
Atualmente, os estudos do DOPPS mostram uma prevalência de aproximadamente 37%, com 7% dos pacientes experimentando uma redução significativa na qualidade de vida. Na população com DRC não submetida à diálise, até 24% dos pacientes relatam esse sintoma.
Os principais fatores de risco incluem:
· Diálise inadequada
· Hiperparatireoidismo
· Níveis elevados de cálcio e/ou fósforo
· Xerose (pele seca)
· Níveis elevados de magnésio e alumínio
Apesar de se falar muito sobre a hiperfosfatemia, nem todos os estudos mostram essa associação. Portanto, não devemos considerar exclusivamente a hiperfosfatemia como a causa do prurido.
Clinicamente, observamos algumas características desse prurido:
* Afeta principalmente os braços, cabeça e abdômen, mas às vezes pode ser generalizado.
* Pode ser contínuo ou ocorrer apenas em alguns dias.
* Tende a piorar à noite, interferindo na qualidade de vida, causando insônia, fadiga e depressão.
* Agrava-se com calor e transpiração excessiva, mas melhora com o frio.
* Alguns pacientes relatam uma relação com a sessão de diálise, experimentando uma exacerbação durante a terapia dialítica.
O tratamento deve ser sequencial, seguindo um algoritmo do UpToDate (abaixo):
Medidas gerais:
1-Otimizar a prescrição de diálise, reavaliando a adequação da depuração de solutos pequenos (Kt/V). Pode-se considerar o aumento da dose de diálise mesmo com um spKt/V >1,2 e utilizar membranas de alto fluxo.
2-Otimizar o tratamento do distúrbio mineral e ósseo, especialmente em casos refratários e com hiperfosfatemia importante.
3-Uso de emolientes tópicos (ex. hidratantes) que reduzem a perda transepitelial de água e mantém a pele hidratada . Deve-se avaliar a resposta após pelo menos 2 semanas de uso.
Se o prurido persistir após duas semanas de tratamento com as medidas acima, deve-se considerar a adição de terapia medicamentosa. Em casos de prurido intenso em pacientes bem dialisados, pode-se iniciar uma intervenção combinada inicialmente.
**Dicas sobre hidratação da pele**: Podemos indicar hidratantes os usuais disponíveis em farmácias que são em sua maioria potentes, quanto menos cor e cheiro melhor! Utilizar duas vezes ao dia em todo o corpo (exceto pele) e após os banhos. Evitar vários banhos ao dia, bem como banhos demorados (~5 minutos).
Medidas adicionais:
1-Analgésicos tópicos
Podem ser utilizados, especialmente para pruridos localizados, sendo observado uma resposta na primeira semana de tratamento. A pramoxina é uma opção, um estudo randomizado com 28 pacientes mostrando benefícios, embora não tenhamos experiência direta com ela.
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Posologia recomendada é a loção de Pramoxina a 1% 02 vezes ao dia.
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2-Anti-histamínicos orais
Podem ser usados, com opções mais sedativas (hidroxizina 25 mg 1-2 vezes ao dia; difenidramina 25 mg 3-4 vezes ao dia) e menos sedativas (loratadina 10 mg 1 vez ao dia).
Habitualmente a resposta clínica acontece com 01 semana de tratamento, se não for observado resposta podemos suspender o medicamento
3-Gabapentina e pregabalina
Podem ser considerados para pacientes sem resposta satisfatória ao tratamento com anti-histamínicos. As doses devem ser iniciadas baixas e aumentadas gradualmente para evitar efeitos colaterais, como sonolência e tontura.
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Posologia:
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* Gabapentina iniciar tratamento 100 mg 3 vezes por semana, nos dias de diálise, aumentar até 300mg 3 vezes por semananos dias de diálise
* Pregabalina 25 mg 01 vez ao dia, progredir dose até 75 mg 1 vez ao dia.
Importante: Uma vez iniciado o tratamento devemos manter por 4 a 6 semanas. Iniciar doses baixa e progredir lentamente para evitar efeitos colaterais como sonolência/tontura.
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**Quadros refratários**
Devemos considerar o prurido urêmico como refratário quando o paciente não apresenta resposta satisfatória ou pelo menos parcial com emolientes, analgésicos tópicos, anti-histamínicos ou gabapentinóides.
Casos refratários graves, pode-se considerar o uso de difelicefalina, um agonista opioide kappa seletivo que, embora ainda não esteja disponível no Brasil, tem mostrado resultados moderados em estudos clínicos randomizados, melhorando a qualidade de vida.
Tratasse de um agonista opioide kappa seletivo, posologia 0,5 mcg/kg, via endovenosa, 03 vezes por semana.
Estudos clínicos randomizado têm mostrado reposta moderada no tratamento em 12 semanas quando comparado ao placebo, inclusive com melhora na qualidade de vida. ([link](https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35511180/)).
Outras abordagens possíveis, mas com baixa evidência, em casos refratários incluem:
· Intensificação da dose de diálise
· Modificação da terapia para hemodiafiltração
· Uso de sertralina
· Fototerapia com UVB.
A prurido é uma queixa frequente em pacientes com DRC, principalmente em programas de diálise. Apesar de frequentemente associada à hiperfosfatemia e subdiálise, muitos pacientes continuam a apresentar queixas mesmo após otimização terapêutica. Portanto, é fundamental seguir uma abordagem sequencial e avaliar a resposta clínica às intervenções realizadas, ajustando o tratamento conforme necessário.
Não podemos esquecer que diversas outras doenças podem causar prurido sem relação com a DRC. Portanto, em casos refratários ao tratamento com emolientes, analgésicos tópicos, anti-histamínicos e gabapentinoides, uma investigação mais ampla com a Dermatologia deve ser realizada.