A utilização de canabinoides no manejo de sintomas associados à Doença Renal Crônica (DRC) tem ganhado atenção devido ao crescente interesse em explorar alternativas terapêuticas para alívio de sintomas comuns nesta população, como dor, prurido, náuseas e anorexia. Este artigo ([link](https://www.kireports.org/action/showPdf?pii=S2468-0249%2825%2900056-7)) revisa os aspectos farmacocinéticos, evidências clínicas preliminares e desafios do uso de canabinoides, como tetraidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD), em pacientes com DRC, destacando os dados mais recentes e suas implicações clínicas.
##### Base farmacológica dos canabinoides
Os canabinoides apresentam diferentes mecanismos de ação. O THC é um agonista parcial dos receptores CB1 e CB2, sendo responsável pelos efeitos psicoativos da cannabis. O CBD, por sua vez, atua como um modulador alostérico negativo do CB1, além de interagir com receptores TRPV1 e 5-HT1A, o que pode contribuir para efeitos terapêuticos, como alívio de dor e redução do prurido. Ambos os compostos possuem alta ligação às proteínas plasmáticas e um grande volume de distribuição, tornando-os pouco suscetíveis à depuração por diálise.
Os principais eventos adversos esperados são: tontura, vertigem, náusea/vômito, fadiga e alteração do nível de consciência.
##### Evidências clínicas em pacientes com DRC
Pacientes com DRC frequentemente apresentam sintomas refratários às terapias convencionais, o que justifica o interesse pelo uso de canabinoides. Estudos recentes investigaram sua segurança e eficácia em diferentes contextos:
1-Prurido associado à DRC (CKD-aP):
Um estudo com 60 participantes ([link](https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39328960/)) demonstrou que um creme à base de cannabis reduziu modestamente o prurido em comparação ao placebo (-1,1 ponto na escala de prurido). No entanto, um estudo crossover randomizado com nabilona oral não encontrou diferenças significativas no alívio do prurido ou na qualidade de vida.
2-Dor crônica:
Um ensaio piloto com pacientes em hemodiálise avaliou uma combinação de THC e CBD. Dos 15 participantes, 12 toleraram bem o tratamento durante 8 semanas, sem eventos adversos graves.
Farmacocinética em diferentes estágios da DRC
O estudo de Sønderskov et al. ([link](https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2468024924034764)) analisou a farmacocinética de uma dose única de Sativex® (4 mg de THC e 5 mg de CBD) em 49 participantes com TFG variando de >60 mL/min/1,73m² até <15 mL/min/1,73m². Os resultados indicaram:
* Exposição sistêmica elevada: Houve aumento significativo da área sob a curva (AUC) e concentração máxima (Cmax) de THC, CBD e seus metabólitos em pacientes com DRC avançada em comparação com controles saudáveis.
* Variabilidade interindividual: As diferenças na AUC e Cmax entre os participantes foram substanciais, destacando a complexidade do metabolismo dos canabinoides em populações heterogêneas.
* Eventos adversos: Foram leves e incluíram tontura e fadiga, sem padrão de maior freqüência nos pacientes com DRC.
##### Recomendações práticas e lacunas de conhecimento
Apesar do potencial terapêutico dos canabinoides, seu uso em pacientes com DRC deve ser cauteloso, os estudos têm demonstrado uma tendência a maiores níveis séricos na população com disfunção renal quando comparado a pacientes sem DRC. Logo, não devemos indicar o seu uso.
Caso se opte pelo uso devemos saber dos potenciais riscos, recomenda-se iniciar com doses baixas e titulação gradual, dada a maior exposição sistêmica observada em pacientes com TFG reduzida. No entanto, ainda faltam estudos robustos para determinar a segurança e eficácia de longo prazo, além de avaliações sobre o impacto em desfechos clínicos relevantes, como qualidade de vida e controle de sintomas.