#### Revisão de Injúria Renal Aguda - Lancet 2025: Pontos em destaque
O artigo destaca conceitos recentes que impactaram a prática clínica diária, além de explorar perspectivas inovadoras que enfatizam a importância da personalização do cuidado na injúria renal aguda ([link aqui](https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(24)02385-7/abstract))!
#### Diagnóstico de IRA
Os critérios diagnósticos de injúria renal aguda (IRA) definidos pelo KDIGO possuem limitações importantes que devem ser consideradas:
#####  Débito urinário
* Devemos nos atentar ao risco de medida, especialmente na ausência de sonda vesical de demora
* O uso de diuréticos pode alterar o débito urinário
* A oligúria pode ser fisiológica em perioperatórios.
#### Creatinina sérica
* Variações na massa muscular, ingestão de carne ou uso de creatina podem causar flutuações sem representar IRA.
* Podem existir variações fisiológicas ou variações analíticas da creatinina que não representam IRA, especialmente se o paciente já tem taxa de filtração glomerular basal reduzida.
* Hemoconcentração ou hemodiluição podem interferir no valor da creatinina.
* Medicações inibidoras da secreção de creatinina, como trimetoprim e cimetidina, podem promover aumento de creatinina sem significar IRA.
* Medicamentos como IECA, BRA e iSGLT2 podem aumentar temporariamente a creatinina, mas apresentam benefícios nefroprotetores a longo prazo.
#### Os avanços em biomarcadores oferecem maior precisão no diagnóstico e prognóstico da IRA:
* Dickkopf-3 urinário: prediz o risco de IRA, disfunção renal persistente e necessidade de TRS em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca.
* IGFBP7 e TIMP-2: prediz IRA moderada a grave.
* CCL4: marcador de inflamação renal e indica persistência de IRA grave.
* NGAL: preditor de IRA grave em crianças e ajudar no diagnóstico diferencial de síndrome hepatorrenal (SHR) e necrose tubular aguda (NTA) em pacientes cirróticos.
* CXCL9: sugere nefrite intersticial aguda (NIA) e pode orientar quais pacientes se beneficiam da corticoterapia.
#### IRA e procedimentos cirúrgicos
A IRA é considerada relacionada ao procedimento cirúrgico quando ocorre até 7 dias após a cirurgia. Seu risco depende tanto do tipo de procedimento quanto das condições clínicas do paciente. A prevenção envolve a manutenção de euvolemia e pressão arterial sistólica (PAS) próxima ao basal, evitando hipovolemia e hipotensão.
* Suspensão de inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (iSRAA) antes dos procedimentos cirúrgicos: Até 2024, recomendava-se suspender os iSRAA antes de cirurgias. Porém, o [estudo Stop-or-Not](https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2823118), realizado em pacientes com cirurgias não cardíacas de grande porte, mostrou que continuar o uso dos iSRAA antes da cirurgia não aumentou o risco de IRA pós-operatória (11% em ambos os grupos), mas elevou o risco de hipotensão intraoperatória (54% vs. 41%). Assim, os iSRAA podem ser mantidos no período perioperatório, salvo risco elevado de hipotensão intraoperatória.
* Suspensão dos iSGLT2 antes dos procedimentos cirúrgicos: Embora a ADA recomende evitar iSGLT2 em pacientes gravemente doentes ou em jejum prolongado, o estudo EMPEROR demonstrou que a interrupção abrupta pode ser prejudicial. Além disso, uma meta-análise de 13 estudos revelou que os iSGLT2 reduziram o risco de IRA em 23% comparado ao placebo. Assim, a interrupção é apropriada em casos de choque, acidose metabólica ou infecção urinária grave, mas a continuidade deve ser considerada em pacientes com fortes indicações, como insuficiência cardíaca grave.
#### Síndrome Hepatorrenal
Em 2023, os critérios diagnósticos da síndrome hepatorrenal (SHR) associada à IRA foram revisados. Recomenda-se considerar SHR em pacientes com cirrose, ascite e IRA, desde que o volume intravascular seja adequado e não haja outra causa para a disfunção renal. Além disso, a administração rotineira de albumina por 48 horas deixou de ser obrigatória e a janela de tempo para avaliar a resposta à reposição volêmica foi reduzida para 24 horas. Essa abordagem mais curta visa evitar sobrecarga hídrica, uma complicação comum que pode agravar o estado clínico do paciente, e permite a introdução precoce de terapias específicas, como os vasoconstritores.
#### Manejo de IRA
Um ponto que merece destaque no tópico sobre manejo de IRA consiste no manejo quanto ao uso de iSRAA. O artigo reforça que essa medicação pode ser mantida com segurança na IRA, especialmente no contexto de síndrome cardiorrenal, exceto se hipotensão e/ou hipercalemia.

#### Crosstalk
O conceito de crosstalk entre órgãos descreve como a falência renal pode afetar negativamente outros órgãos. A inflamação intrarrenal estimula a liberação de mediadores inflamatórios, ativando células imunes e causando disfunção de órgãos distantes. Além disso, a uremia, hipervolemia, distúrbios ácido-básicos ou mesmo a própria terapia substitutiva renal (TSR) podem contribuir para a disfunção orgânica. Um exemplo disso é a imunossupressão induzida pela IRA, resultando em maior susceptibilidade a infecções secundárias.
#### Perspectivas Futuras
Os avanços na identificação de subfenótipos da IRA apontam para um futuro promissor na personalização do cuidado. Estudos recentes demonstraram, por exemplo, que pacientes com nefrite tubulointersticial aguda e altas concentrações de interleucina-9 urinária apresentam melhor resposta à terapia com corticosteróides, destacando o potencial de biomarcadores na orientação do tratamento.
Tecnologias como machine learning estão sendo utilizadas para criar modelos preditivos em tempo real que ajudam a identificar a persistência da IRA em pacientes críticos, permitindo intervenções mais precisas.
Além disso, novas abordagens terapêuticas, como o uso de iSGLT2, ravulizumabe e moduladores metabólicos, estão sendo investigadas para reduzir o risco e a gravidade da IRA em cenários específicos.
Esses avanços, juntamente com uma melhor compreensão dos mecanismos moleculares da doença e a aplicação de metodologias estatísticas inovadoras, criam um panorama otimista para o desenvolvimento de tratamentos personalizados e mais eficazes na gestão da IRA.