A hipocalemia é uma complicação frequente em pacientes submetidos à diálise peritoneal (DP). Estudos
observacionais relatam uma associação entre hipocalemia (K\< 3,5 mEq/L) e o risco de peritonite.
Essa associação possui forte plausibilidade biológica, uma vez que a hipocalemia leva à dismotilidade do
trato gastrointestinal, constipação, desnutrição e supercrescimento bacteriano, fatores que podem favorecer a migração de bactérias entéricas para o espaço peritoneal.
Será que a suplementação de potássio para evitar a hipocalemia pode prevenir a peritonite? O estudo
intitulado "Efficacy of Potassium Supplementation in Hypokalemic Patients Receiving Peritoneal Dialysis: A Randomized Controlled Trial" foi publicado em maio de 2022 no AJKD ([link](https://www.ajkd.org/action/showPdf?pii=S0272-6386%2822%2900627-8)).
Trata-se de um estudo conduzido em seis centros de DP na Tailândia entre 2020 e 2021, sendo caracterizado como um estudo aberto, randomizado e multicêntrico.
Esse ensaio clínico avaliou pacientes em DP com hipocalemia, definido como K\< 3,5 mEq/L em pelo menos
três medidas ou valor médio de K\< 3,5 mEq/L. Foram excluídos pacientes com peritonite recente (\<3 meses), cirrose, infecção crônica, câncer ou doença gastrointestinal.
Os pacientes foram randomizados (1:1) para receber um protocolo de suplementação de potássio ou uma
suplementação convencional de potássio. O protocolo de suplementação consistiu no uso de comprimidos de cloreto de potássio, com reposição para manter a concentração sérica de potássio entre 4-5 mEq/L (Box 1).
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O desfecho primário avaliado foi o primeiro episódio de peritonite, censurado para morte, transplante renal,
transferência para hemodiálise ou perda de seguimento.
Resultados
Um total de 167 pacientes foram randomizados. A mediana de seguimento foi de 401 dias. O valor de potássio no
baseline era semelhante entre os grupos intervenção e grupo controle, (3,32 ± 0,27 e 3,35 ± 0,30 mEq/L, respectivamente.
No grupo intervenção, 81% dos pacientes receberam reposição de potássio. Como esperado, o grupo de
intervenção com protocolo teve aumento dos valores de potássio sérico de 4,04 ± 0,62 mEq/L nas primeiras 04 semanas; enquanto que o grupo controle a variação do potássio foi de 3,47 ± 0,58.
Os níveis séricos médios de potássio no tempo foram 3,97 ± 0,55 e 3,47 ± 0,44 nos grupos
intervenção e controle, respectivamente (p \< 0,001).
Hipercalemia ocorreu apenas no grupo intervenção, com incidência de apenas 4%, todos foram episódios
assintomáticos. O tempo médio até a primeira peritonite foi significativamente maior no grupo de protocolo 223 (147-247) vs. 133 (41- 197) dias; p = 0,03)
A proporção de participantes livres de peritonite foi significativamente maior no grupo protocolo (29%
\[24/82] vs. 15% \[13/85]; p = 0,03). No entanto, a taxa global de peritonite não foi significativamente diferente entre os grupos (0,24 vs. 0,42 episódios por paciente-ano em risco; p = 0,1).
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No grupo intervenção as peritonites ocorreram predominantemente por bactérias gram-positivas, enquanto
no grupo convencional foi mais comum infecção por gram-negativos.
Opinião NefroAtual
Este foi um estudo prospectivo, multicêntrico e randomizado de grande importância que comprova que uma
estratégia de suplementação de potássio para tratar hipocalemia (K \< 3,5 mEq/L), visando atingir um alvo de K entre 4-5 mEq/L, resulta em um maior intervalo até a ocorrência de peritonite e em uma maior proporção de pacientes livres desse evento.
A taxa de hipercalemia foi baixa (\<5%) e sem implicações mais graves.
Possíveis justificativas para a redução da ocorrência de peritonite com a suplementação de potássio incluem:
(1) melhora da motilidade intestinal, resultando em uma redução na translocação bacteriana e, consequentemente, na incidência de peritonite;
(2) aprimoramento da força muscular, proporcionando um melhor desempenho da diálise peritoneal de alta
qualidade;
(3) aprimoramento da função celular, incluindo defesas imunológicas contra patógenos.
Nefrologistas que atuam com diálise peritoneal devem estar atentos aos níveis séricos de potássio, pois há
uma associação significativa com o risco de peritonite e até mesmo com a mortalidade.
u particularmente, sempre que possível, prescrevo espironolactona para pacientes com hipocalemia, visando proteger o peritônio, otimizar a diurese e prevenir a hipocalemia.
A suplementação de potássio, seja por meio de comprimidos ou alimentação, deve ser realizada de forma ativa como uma estratégia para reduzir a incidência de peritonite.