Um dos aspectos mais importantes do manejo do paciente com falha do enxerto renal é decidir quando e como interromper com segurança a terapia imunossupressora de manutenção. Pacientes transplantados renais que retornam para diálise após falha do enxerto renal passam por um complexo processo que se associa com elevado risco de mortalidade.
O nefrologista frequentemente se depara com a escolha difícil: vale a pena manter a imunossupressão, pensando em preservar a função renal residual, prevenção de sensibilização e evitar a síndrome da intolerância ao enxerto? Ou devemos retirar os imunossupressores pelo risco de infecção e eventos adversos?
Sabemos que a retirada abrupta dos imunossupressores poderá precipitar uma rejeição e exacerbar a alossensibilização. Um desmame mais lento deve ser considerado para pacientes frágeis, que podem não tolerar uma nefrectomia em caso de síndrome de rejeição do enxerto.
Então vale a pena a leitura do artigo de revisão: The failing kidney allograft: A review and recommendations for the care and management of a complex group of patients ([link](https://www.amjtransplant.org/article/S1600-6135\(22\)08704-4/fulltext)) publicado no American Journal of Transplantation em 20 de maio de 2021.
Primeiro, precisamos definir o que é falência do enxerto. Apesar de não existir uma definição precisa, devemos pensar em falência do enxerto para os pacientes com enxerto renal que apresentam função renal estável ou em piora, mas com programação de retornar para diálise em menos de 12 meses, devem ser manejados como falência do enxerto.
Diante de um paciente com falência do enxerto renal, muitas considerações devem ser feitas em relação ao benefício de continuar os imunossupressores e os riscos.
Benefícios:
* Evitar sensibilização (aumento da chance de retransplante)
* Facilitar um transplante preemptivo
* Evitar nefrectomia do enxerto
* Manter função renal residual
* Prevenir a síndrome de intolerância ao enxerto (rejeição do enxerto)
Riscos:
* Infecções
* Malignidade
* Progressão da aterosclerose
Diante desse cenário tão complexo, como pesar o risco-benefício? Vamos entender os motivos.
Evitar sensibilização: Quando o paciente é candidato a um retransplante, a manutenção dos imunossupressores evitará uma sensibilização contra antígenos HLA. Alguns estudos mostram aumento do painel de reatividade com anticorpos calculados (cPRA) de 13% para 62% após retirada dos imunossupressores, ocorrendo um aumento de 14 vezes do risco de sensibilização com a retirada dos imunossupressores. Desta forma, nos pacientes com cPRA muito elevado, talvez possam ter benefício adicional da manutenção de imunossupressores com intuito de retransplante. Principalmente se existir a possibilidade de um doador vivo para este paciente.
Manter função renal residual: Existe o benefício teórico de manter os imunossupressores para garantir a manutenção da função renal residual, apesar de ser um benefício teórico, existem estudos mostrando pequeno benefício de mortalidade.
Prevenção da Síndrome da intolerância ao enxerto na diálise: Com a retirada dos imunossupressores, os pacientes podem evoluir com a Síndrome da intolerância ao enxerto, cuja ocorrência varia de 30-50% no primeiro ano após falência do enxerto. O quadro clínico é caracterizado por febre, hematúria macroscópica, dor e edema de loja do enxerto; menos frequentemente, podem apresentar quadro de fadiga, perda ponderal, resistência à eritropoetina e elevação de provas inflamatórias. Esses casos devem ser manejados com pulso de corticoide em doses elevadas, seguido de desmame lento ao longo de 6 meses. Devemos considerar nefrectomia ou embolização para casos refratários.
Potenciais complicações: A mortalidade nos primeiros meses dos transplantados que retornam para diálise é elevada, 7-13 vezes maior quando comparado a pacientes semelhantes, relacionados principalmente ao elevado risco de infecção e neoplasias. Existe a necessidade de focarmos em fatores de risco modificáveis, principalmente o desmame ou redução de imunossupressores. O risco de infecção dos pacientes em que se mantêm os imunossupressores nos primeiros 06 meses é elevado (88% vs. 38%). Pacientes com histórico de neoplasia de pele devem ter os imunossupressores descontinuados quando retornam para diálise.
Sabendo dos potenciais riscos e benefícios, como devemos manejar tais pacientes na prática?
* Pacientes que serão candidatos a um retransplante em menos de 12 meses e possuem função renal residual do enxerto é recomendada a manutenção dos imunossupressores, com retirada do antiproliferativo e redução da dose dos inibidores de calcineurina (ICN), desde que não existam complicações importantes relacionadas à imunossupressão.
* Pacientes que não serão candidatos a um retransplante e possuem função renal residual do enxerto com diurese satisfatória (>400 mL) devem realizar um desmame lento ao longo de 6-12 meses.
* Pacientes com falência do enxerto que estejam anúricos em diálise e sem previsão de retransplante devem ter os imunossupressores descontinuados progressivamente ou mantidos em dose mínima ao longo de 3-6 meses.
O artigo sugere esse fluxograma:
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É recomendado primeiro a retirada do antiproliferativo (azatioprina ou micofenolato). A retirada do inibidor de calcineurina (ICN) deve ser individualizada de acordo com a diurese residual, risco de infecção e possibilidade/tempo de espera para retransplante. Esse desmame de imunossupressores deve ser realizado ao longo de 6-12 meses. Em um período de 12 meses em diálise, todos os imunossupressores devem ter sido descontinuados, caso não tenha ocorrido uma síndrome de intolerância ao enxerto e não tenha ocorrido aumento significativo do PRA. O desmame do corticoide deve ser realizado lentamente para evitar insuficiência adrenal.
Apesar da recomendação baseada na opinião de especialistas, todo esse processo de redução dos imunossupressores deve ser individualizado, considerando o risco de sensibilização e risco de complicações da imunossupressão.
Este fluxograma do UpToDate está muito prático e didático: Kidney transplantation in adults: Management of the patient with a failed kidney transplant.\
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Conta para gente como vocês manejam pacientes que perderam o enxerto renal e retornam para diálise? tendem a manter imunossupressores? suspendem tudo? individualizam?