Os co-transportadores SGLT2 estão localizados na primeira porção do túbulo contorcido proximal e são responsáveis pela reabsorção renal de sódio e glicose. O tratamento com inibidores SGLT2 exerce proteção
cardiorrenal em pacientes com doença renal crônica (DRC) e insuficiência cardíaca, com e sem diabetes mellitus. Vários são os mecanismos propostos para explicar os benefícios renais e cardíacos; são eles:
* Atenuação da hiperfiltração glomerular (feedback tuboglomerular)
* Elevação de corpos cetônicos
* Aumento da síntese de eritropoetina
Recentemente, as evidências sugerem que o controle volêmico pode ser um fator impactante nos desfechos cardiorrenais. Similarmente aos diuréticos, existe um efeito natriurético e propriedade de diurese osmótica com
essa classe de medicamentos. No entanto, diferente dos diuréticos de alça, os iSGLT2 atenuam a hipervolemia, mas com baixo risco de induzir hipovolemia.
Aparentemente, os iSGLT2 regulam a homeostase de fluidos de forma a (1) compensar a ingestão de líquidos e (2) evitar a diurese excessiva, já que ocorre reabsorção de água livre de solutos no ducto coletor renal (induzida
pela vasopressina).
Foi publicado na Frontiers in Medicine o artigo “Fluid homeostatic action of dapagliflozin in patients with chronic kidney disease: the DAPA-BODY Trial” ([link](https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmed.2023.1287066/full)) que avaliou os efeitos da dapagliflozina quanto a parâmetros hemodinâmicos e status volêmico em pacientes com DRC (com e sem hipervolemia).
Vamos entender o que o estudo trouxe de interessante!
Detalhes do estudo: estudo prospectivo, não randomizado, com 97 pacientes com DRC, dos quais 15 receberam dapagliflozina 5 mg/dia e 58 receberam 10 mg/dia. Além disso, 24 pacientes não receberam dapagliflozina,
sendo este o grupo controle.
Os pacientes que receberam dapagliflozina foram separados quanto estarem ou não hipervolêmicos. O desfecho primário avaliado foi a mudança da distribuição da água corporal por meio de bioimpedância (BIA) em 6 meses, status água corporal total (ACT) e água extracelular (AEC).
Também foram avaliadas mudanças quanto a copeptina, atividade do eixo renina-angiotensina-aldosterona e níveis de epinefrina e noraepinefrina.
E quais foram os achados do estudo?
Composição corporal de fluidos após 6 meses de tratamento:
* O tratamento com dapagliflozina reduziu a relação o líquido extracelular. Ocorreu redução da relação AEC/ACT quando comparado ao grupo controle (−0.65 ± 2.03% vs. 0.97 ± 2.49%, p = 0.0018).
* Essa redução foi maior nos pacientes com hipervolemia. No grupo tratado com dapagliflozina, as mudanças AEC/ACTforam significativamente maiores nos pacientes com hipervolemia quando comparados ao grupo sem hipervolemia (−0.01% ± 1.88% vs. −1.47% ± 1.93%, p = 0.0017).
![](</Dapaglif figura 1.webp>)
Parâmetros hemodinâmicos e do sistema simpático após 6 meses de tratamento:
* Efeito simpaticolítico: Os valores plasmáticos de epinefrina e noraepinefrina foram significativamente menores no grupo dapagliflozina quando comparados ao grupo controle após 6 meses de tratamento.
* Sem mudanças de copeptina: Não foram observadas diferenças quanto ao nível de copeptina entre o grupo controle e o tratamento com dapagliflozina (32.3 ± 33.4 vs. 30.6 ± 30.1 pmol/L, p = 0.8227). Foi observada uma elevação da copeptina na primeira semana de tratamento, mas os valores voltaram ao valor inicial após 6 meses de tratamento.
* Sem ativação do eixo renina angiotensina aldosterona: Após 6 meses, os níveis de renina (controle 56.9 ± 42.0 vs. dapagliflozina 63.7 ± 43.6 pg./mL, p = 0.568) e aldosterona (controle 419 ± 225 vs. dapagliflozina 370 ± 190 pg./mL; p = 0.385) foram semelhantes entre os grupos.
![](</Dapaglif figura 2.webp>)
Opinião Nefroatual:
Estudo muito interessante que mostra que o tratamento com dapagliflozina normaliza a volemia dos pacientes, com redução do líquido extracelular e redução do volume plasmático estimado após 6 meses de tratamento.
Esses achados indicam uma melhora da hipervolemia de forma sustentada, bem como a manutenção da euvolemia em pacientes que não apresentavam retenção hídrica.
Foi identificado que, em pacientes em euvolemia, o tratamento com dapagliflozina induziu liberação de vasopressina para prevenir hipovolemia, indicando que a regulação da vasopressina exerce um papel crítico em reduzir a retenção hídrica e manter a euvolemia. Outro achado interessante foi que a dapagliflozina reduziu marcadores de atividade do sistema nervoso simpático, redução dos níveis de epinefrina e noraepinefrina, um conhecido fator de proteção cardiovascular. Este é o primeiro estudo a mostrar uma ação simpaticolítica dos iSGLT2.
Em resumo, em pacientes com DRC, a dapagliflozina induziu homeostase hídrica sustentada, com manutenção da euvolemia, inibição sustentada do eixo renina angiotensina aldosterona e atividade simpaticolítica, sendo estes achados uma possível justificativa da proteção cardiorrenal.