No paciente com doença renal policística autossômica dominante (DRPAD) o acometimento hepático com doença
hepática policística (DHP) grave pode causar deterioração significativa na qualidade de vida principalmente devido hepatomegalia maciça. Apesar disso, a escassez de órgãos muitas vezes impede que pacientes com DHP sejam considerados para transplante de fígado. As diretrizes europeias propõem o transplante para pacientes selecionados com hepatomegalia massiva, complicações específicas como desnutrição severa, ascite, hipertensão portal, obstrução de via de saída e infecções recorrentes dos cistos hepáticos.
Políticas de Alocação e MELD
DHP geralmente não leva à insuficiência hepática terminal, mas pode causar complicações mecânicas significativas
que deterioram a qualidade de vida dos pacientes. Para abordar essa discrepância, as políticas de alocação de órgãos no Brasil permitem exceções ao escore MELD tradicional para condições específicas como a DHP. Essas exceções são aplicadas para pacientes cuja condição não é bem representada pelo escore MELD padrão, permitindo que recebam uma pontuação ajustada que melhor reflete a necessidade de transplante, de acordo com hepatomegalia, desnutrição, sarcopenia, ascite e hipertensão porta.
Resultados e Considerações Clínicas
Os pacientes com DHP apresentaram uma mortalidade na lista de espera de cerca de 7%/ano, uma taxa alta
considerando a condição não ser imediatamente fatal. A sobrevida pós-transplante é excelente, com taxas superiores a 90% no primeiro ano. O transplante de fígado para DHP tem como principal objetivo melhorar a qualidade de vida, ao contrário do transplante para cirrose, onde a sobrevivência é o foco principal.
Nutrição e Sarcopenia (atenção a estes aspectos para avaliar encaminhamento!)
A desnutrição e a sarcopenia são marcadores de severidade importantes para a decisão de transplante. Apesar da
associação entre sarcopenia e maior mortalidade na lista de espera para cirrose, não existem dados específicos para DHP. No entanto, pacientes com estado nutricional ruim e sarcopenia avançada provavelmente se beneficiam
significativamente do transplante em termos de qualidade de vida.
Transplante Simultâneo de Fígado e Rim
Para pacientes com DHP e doença renal estágio terminal, o transplante duplo é recomendado. Estudos sugerem que o transplante preventivo é mais benéfico do que o realizado após a diálise, apresentando menor risco de falha do enxerto renal. Além disso, o fígado tem um feito imunoprotetor sobre o rim quando o doador é o mesmo, reduzindo a rejeição e a perda do enxerto renal. Podemos considerar transplante duplo para os pacientes com indicação de transplante hepático e que apresentem uma taxa de filtração \<30 mL/min/1,73m².
Impacto Prático para Nefrologistas
A consideração do transplante de fígado em pacientes com DHP pode melhorar significativamente a qualidade de
vida dos pacientes com DRPAD e acometimento hepático grave. Avaliar cuidadosamente a nutrição, a sarcopenia e os aspectos psicológicos, bem como a possibilidade do transplante duplo, é crucial para oferecer o melhor manejo. Como nefrologistas devemos ter atenção especial aos pacientes com DRPAD e acometimento hepático importante, desnutrição e sarcopenia devem servir de alerta para o encaminhamento precoce a esquipe de transplante hepático, para avaliação da possibilidade de Tx hepático.
Vale a pena a leitura desse comentário disponível no Transplantation ([link](https://journals.lww.com/transplantjournal/fulltext/2024/07000/liver_transplantation_for_polycystic_liver.6.aspx))