A doença renal no contexto do diabetes (DRD) afeta cerca de 40% dos pacientes com diabetes. A elevação da glicose no sangue induz a alterações metabólicas e hemodinâmicas que levam à disfunção endotelial, hiperfiltração glomerular e inflamação. A hipertensão sistêmica é uma comorbidade comum em pacientes com DRD contribui para dano renal.
A combinação de hiperglicemia e hipertensão danifica os glomérulos, especialmente os podócitos, e o túbulo-interstício. Isso resulta em um aumento da permeabilidade glomerular à albumina, hiperfiltração e, por consequência, uma redução na taxa de filtração glomerular (TFGe). Essa sequência aumenta o risco de progressão para doença renal crônica (DRC) avançada e eventos cardiovasculares fatais.
De forma prática, a relação albumina-creatinina urinária (RAC) e a TFGe são utilizadas para monitorar os
pacientes e entender a trajetória da perda de função renal, albuminúria e progressão para DRC. O fenótipo clássico da DRD envolve um paciente com diabetes que inicialmente apresenta microalbuminúria persistente, que piora gradualmente ao longo dos anos, eventualmente evoluindo para DRC com uma diminuição linear na TFGe. No entanto, nas últimas décadas, diversos estudos têm revelado trajetórias de evolução bastante diferentes desse padrão clássico.
A variação nos fenótipos depende das comorbidades associadas, como hipertensão arterial, obesidade, dislipidemia e envelhecimento, bem como do tratamento administrado, incluindo inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA), bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA), inibidores do co-transportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2) e antagonistas dos receptores de mineralocorticoides. Essas intervenções modificam a trajetória natural da doença.
O diagnóstico da nefropatia diabética é baseado em descobertas histopatológicas, como a expansão da matriz
mesangial, o espessamento da membrana basal glomerular (MBG) e a formação de lesões nodulares. Essas alterações surgem antes mesmo do aparecimento da albuminúria e da redução da TFGe. A imagem abaixo ilustra diferentes fenótipos com trajetórias distintas em relação à DRC.
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Trajetórias dos fenótipos da doença
**\*Trajetória 1 – DRD clássica**
**\*Trajetória 2 – DRD com regressão da albuminúria:** Uma vez que ocorre o desenvolvimento de microalbuminúria, o
paciente pode evoluir com piora progressiva, chegando à macroalbuminúria. Entretanto, com a otimização do tratamento medicamentoso, mais de 30% dos pacientes podem retornar à normoalbuminúria. Fatores que influenciam essa regressão são o controle da pressão arterial, o uso de bloqueadores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e inibidores do co-transportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2). Isso demonstra que a reversão das lesões renais é possível após tratamento direcionado e controle da hiperglicemia.
**\*Trajetória 3 – DRD com rápido declínio da TFGe:** Indivíduos saudáveis experienciam um declínio da TFGe de
aproximadamente 1 mL/min/1,73m²/ano devido ao envelhecimento saudável. Em pacientes com diabetes tipo 2 (DM2), esse declínio varia entre 1,5-4,0 mL/min/1,73m²/ano. Aqueles que apresentam um declínio acima de 5,0
mL/min/1,73m²/ano são categorizados como progressores rápidos de acordo com o KDIGO.
Com a progressão da doença, muitos pacientes podem apresentar esse declínio acentuado na TFGe.
Notavelmente, esse padrão pode ocorrer mesmo em pacientes sem microalbuminúria ou com albuminúria moderada. Esses pacientes frequentemente exibem características histológicas como hialinose arteriolar intensa, lesões nodulares, mesangiólise e atrofia túbulo-intersticial.
Esse é um perfil de pacientes que suscita preocupação no contexto clínico, já que exibem um rápido declínio na
TFGe. Muitas vezes, considera-se até a realização de uma biópsia renal para avaliar se há outra causa subjacente para a progressão acelerada da doença. No entanto, é comum que a causa principal seja a própria DRD.
**\*Trajetória 4 – DRD sem albuminúria ou proteinúria:** Estudos observacionais têm documentado a existência de
indivíduos que apresentam redução na TFGe, mesmo sem exibirem microalbuminúria ou macroalbuminúria. Este fenótipo pode ser encontrado em cerca de 20% a 40% dos pacientes com diabetes tipo 1 (DM1) e tipo 2 (DM2), respectivamente.
Curiosamente, esses pacientes frequentemente já têm diagnóstico estabelecido de doença cardiovascular,
sugerindo que as complicações macrovasculares e a idade possam influenciar significativamente esse perfil de apresentação da doença. Fatores associados a esse fenótipo incluem o sexo feminino, tabagismo, hipertensão e ausência de retinopatia diabética. Na avaliação histológica desses pacientes, observa-se glomeruloesclerose, atrofia túbulo-intersticial e arteriolo-esclerose, assemelhando-se ao que é típico da nefroesclerose hipertensiva.
###### Por que a avaliação da trajetória de evolução da DRD é tão importante?
De forma geral, a maioria dos pacientes com DM2 apresentará um declínio linear na TFGe. No entanto, entre 20%
a 30% podem seguir uma trajetória de evolução divergente do fenótipo clássico.
No contexto do consultório de nefrologia, é comum nos depararmos com situações que fogem ao padrão clássico
de progressão da doença. Portanto, surgem dúvidas sobre se essa evolução atípica pode ser atribuída a outras causas, o que nos leva a ponderar a possibilidade de indicar biópsias renais para avaliação. O conhecimento dessas diversas trajetórias nos proporciona maior segurança na definição da progressão natural da doença.
Além disso, a presença de pacientes com DRC sem evidência de albuminúria pode criar uma falsa sensação de
controle renal, o que por sua vez pode subestimar o risco de progressão da DRC. Portanto, é crucial permanecer vigilante em relação à possibilidade de progressão da doença mesmo na ausência de albuminúria (trajetória 4).
Embora este risco seja menor em comparação com a doença proteinúrica, é importante focar particularmente na gestão da pressão arterial, no tratamento da dislipidemia, no abordagem do tabagismo e na estratificação do risco
cardiovascular em tais pacientes.