A doença renal crônica (DRC) é um grave problema de saúde pública devido à sua forte associação com o aumento das doenças cardiovasculares. Há uma evidência sólida de que o risco cardiovascular começa a aumentar nas fases precoces da DRC. Portanto, devemos prestar atenção especial à estratificação dos pacientes com DRC que têm um risco cardiovascular elevado e avaliar o início do tratamento com estatinas, já que a dislipidemia é
um fator de risco modificável.
A dislipidemia na DRC é caracterizada pela elevação dos triglicerídeos, redução do HDL e aumento do LDL, especialmente de moléculas de LDL pequenas e oxidadas, que são ainda mais aterogênicas. Nesse sentido, resumimos aqui as recomendações do KDIGO para DRC em 2023 em relação à dislipidemia ([link](https://kdigo.org/wp-content/uploads/2017/02/KDIGO-2023-CKD-Guideline-Public-Review-Draft_5-July-2023.pdf)).
Ao diagnosticar a DRC em pacientes adultos, devemos solicitar um perfil lipídico para estratificar o risco. Pacientes com colesterol total >290 mg/dL (310 mg/dL pela Sociedade Brasileira de Cardiologia), histórico pessoal ou familiar de doença coronariana precoce (antes dos 60 anos) devem ser considerados para o diagnóstico de doença
familiar.
O benefício de iniciar estatinas para reduzir os níveis de LDL deve ser baseado no risco cardiovascular e não
nos valores absolutos de LDL, independentemente de o paciente ter ou não DRC. Mais especificamente, para a população com DRC, as orientações do KDIGO e UpToDate são as seguintes:
* Devemos considerar o início de estatinas (ou a associação de estatina/ezetimibe) para todos os pacientes com
idade ≥50 anos e TFGe \<60 ml/min/1,73m² que estão em tratamento conservador (evidência 1A).
* Caso o paciente tenha idade >50 anos e DRC com TFGe >60 mL/min/1,73m² (G1-G2), devemos considerar o
tratamento com nível de evidência 1B.
* Devemos considerar o início de estatinas (ou a associação de estatina/ezetimibe) para os pacientes adultos com
idade entre 18-49 anos com DRC em tratamento conservador que apresentem algum dos seguintes critérios:
1. Doença coronariana conhecida
2. Diabetes mellitus
3. AVC isquêmico prévio
4. Estimativa de evento de morte coronariana ou IAM não fatal >10% em 10 anos
Após essas recomendações do KDIGO, surge a questão de qual medicamento escolher ao iniciar o tratamento,
qual dose utilizar e como fazer o acompanhamento. Em 2013, o estudo SHARP ([link](https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736\(11\)60739-3/fulltext))demonstrou que o tratamento com sinvastatina+ezetimibe é seguro e reduz eventos cardiovasculares. Outros ensaios clínicos mostraram segurança e eficácia de outros regimes na DRC, como atorvastatina 20mg/dia e rosuvastatina 10mg/dia.
Portanto, esses são os regimes recomendados para o início do tratamento:
* Atorvastatina 20mg/dia
* Rosuvastatina 10mg/dia
* Sinvastatina 20mg + Ezetimibe 10mg/dia
Mas, quanto à definição de uma meta de LDL, o KDIGO 2023 não estabelece uma meta específica. Recomenda-se
apenas o início de uma estatina de moderada/alta potência. No entanto, se seguirmos as diretrizes de dislipidemia da SBC e da diretriz americana de cardiologia, existe a orientação de classificar o risco do paciente. Portanto, sugerimos seguir as orientações da Sociedade Brasileira de Cardiologia ([link](http://publicacoes.cardiol.br/portal/abc/portugues/2019/v11304/pdf/11304022.pdf)) e classificar o risco cardiovascular dos pacientes, com aqueles classificados como alto e muito alto risco devendo ter metas de LDL mais baixas.
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Para os nossos pacientes com DRC em manejo conservador e TFGe \<60 mL/min/1,73m², eles automaticamente devem ser considerados como alto risco, e a meta de LDL deve ser \<70 mg/dL. Se o paciente tiver critérios para classificação de alto risco, a meta de LDL deve ser de 50 mg/dL, que inclui:
* Aterosclerose significativa (>50% de obstrução)
* Doença coronariana
* Doença cerebrovascular
* Doença vascular periférica
Para alcançar esses alvos mais rigorosos, os inibidores de PCSK-9 podem ser considerados, desde que o paciente
tenha TFGe >20 mL/min/1,73m². A orientação dietética também não deve ser negligenciada, visto que estudos observacionais demonstram o benefício de dietas baseadas em plantas, que incluem um elevado consumo de frutas, vegetais, nozes, legumes, peixe, azeite, iogurte e grãos integrais, a fim de reduzir o risco de doença cardiovascular.
Em resumo, no nosso consultório, parece razoável buscar uma meta de LDL abaixo de 70 mg/dL para pacientes com DRC e TFGe \<60 mL/min/1,73m². Para pacientes com TFGe \<60 mL/min/1,73m², é importante investigar aterosclerose subclínica, coronariopatia e vasculopatia importante. Caso seja classificado como muito alto risco, o tratamento deve ser otimizado para LDL \<50 mg/dL.
Se o paciente tiver DRC com TFGe >60 mL/min/1,73m², é recomendável utilizar calculadoras de estratificação de risco cardiovascular ([calculadora ASCVD](https://tools.acc.org/ldl/ascvd_risk_estimator/#!/calulate/estimator/)) e exames complementares (USG doppler de carótidas, escore de cálcio) para uma melhor estratificação de risco e definição da meta de LDL.