A nefrite lúpica (NL) está associada a uma elevada morbidade e mortalidade em pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES). Os surtos de NL podem causar dano renal e evoluir para Doença Renal Crônica (DRC). Em um período de 10 anos, o risco de necessidade de diálise ultrapassa 20%. A não adesão aos imunossupressores figura entre os principais fatores de risco para a progressão à DRC.
Compreendemos que os imunossupressores são fundamentais para atingir a remissão clínica, controlar a doença e prevenir a evolução para DRC. No entanto, o tratamento da NL pode acarretar complicações, como o aumento do risco de infecções, complicações metabólicas, desenvolvimento de neoplasias e doenças cardiovasculares. Ou seja, muitas vezes temos que definir sobre o risco benefício.
Uma revisão intitulada "Weaning Maintenance Therapy in Lupus Nephritis: For Whom, When, and How?", publicada no periódico Kidney International Reports ([link](https://www.kireports.org/action/showPdf?pii=S2468-0249%2823%2901307-4)), reúne conceitos relevantes a serem considerados na decisão de manter ou retirar os imunossupressores em pacientes com NL que apresentam uma condição estável.
O ponto notável deste artigo é a abordagem "think-to-untreat", ou seja, a proposição de redução da imunossupressão para um grupo selecionado de pacientes com menor risco de recidiva da doença.
Após o tratamento de indução em um paciente com um surto de nefrite lúpica, as recomendações atuais do EULAR 2019 e do KDIGO 2021 indicam a continuação do tratamento de manutenção por um período mínimo de 3 a 5 anos. É aconselhado o uso de doses reduzidas de corticosteroides (\<5-7,5 mg/dia de acordo com o KDIGO e \<2,5-5,0 mg/dia conforme o EULAR). A hidroxicloroquina deve ser mantida em todos os pacientes, com atenção especial para o ajuste da dose de acordo com a função renal e para o acompanhamento oftalmológico.
A tabela abaixo apresenta as doses normalmente empregadas no tratamento de manutenção.![](</NL desmame 1.webp>)
No entanto, após um período considerável de tratamento e estabilidade clínica em pacientes com NL, pode surgir a dúvida: devo interromper o uso dos imunossupressores (IS)?
É importante recordar que nossos pacientes com NL são predominantemente jovens e que frequentemente o tratamento será de longa duração, o que pode acarretar complicações associadas. Portanto, é imperativo compreender como monitorar e selecionar pacientes para a retirada dos IS.
Uma das principais evidências neste cenário provém do estudo WIN-LUPUS ([link](https://doi.org/10.1136/annrheumdis-2022-222435)), que randomizou 96 pacientes com NL em tratamento de manutenção por 2-3 anos. Nesse estudo, foi observado um risco maior de recorrência no grupo que suspendeu os IS em comparação com o grupo que continuou com eles (12,5% vs. 27,3%). Vale ressaltar que, nesse ensaio, os pacientes tiveram os imunossupressores gradualmente descontinuados ao longo de um período de 3 meses.
De forma geral, a taxa de recidiva após a interrupção do tratamento de manutenção varia entre 20% e 30%. Os pacientes com menor risco de recorrência da doença são aqueles com um período prolongado de tratamento de manutenção, de idade mais avançada e que estão utilizando hidroxicloroquina.
Para avaliar se um paciente é um candidato adequado para o desmame dos imunossupressores (IS), é fundamental considerar os seguintes critérios:
* Ter recebido tratamento de manutenção por mais de 3 anos.
* Apresentar função renal estável.
* Apresentar proteinúria inferior a 0,5-0,7 g/dia e ausência de hematúria.
* Não apresentar evidências de manifestações extrarrenais por mais de 12 meses.
* Não ter planos de engravidar.
Se o paciente atender a esses critérios, é pertinente avaliar a possibilidade de interromper o uso dos IS.
Surge a questão: devemos realizar uma nova biópsia para orientar o tratamento?
A discrepância entre remissão clínica e histopatológica é evidente, visto que, frequentemente, um paciente pode apresentar atividade histológica da doença mesmo na ausência de hematúria e proteinúria. Além disso, a proteinúria pode ser secundária a lesões crônicas.
No estudo vinculado ([link](https://doi.org/10.1093/rheumatology/keaa129)), a abordagem de descontinuação dos IS com orientação por biópsia renal se mostrou promissora. Foi observada uma taxa de recorrência de surtos renais em apenas 9% dos pacientes, o que é significativamente menor em comparação com as taxas anteriormente descritas pelo mesmo grupo.
É importante considerar que, embora o estudo mencionado ofereça evidências positivas para o desmame dos IS guiado por biópsia, a decisão deve ser tomada individualmente, levando em conta as características do paciente e a avaliação clínica abrangente.
Para ficar mais prático vale a pena conferir o algoritmo proposto pelo artigo:
![](</NL desmame 2.webp>)
Pontos extremamente relevantes do artigo são os seguintes:
* Pacientes que desenvolvem DRC após um surto ou recorrência de nefrite lúpica estão em alto risco de progressão para DRCT. Para esse grupo, é crucial exercer uma atenção especial antes de considerar a redução IS, considerar mantê-los.
* Pacientes com nefrite lúpica que receberam tratamento por ≥5 anos e que mantiveram resposta clínica e renal por ≥3 anos possuem um risco menor de recorrência.
* A ausência de manifestações extrarrenais merece atenção especial. O paciente deve estar sem quaisquer sinais de doença sistêmica por um período superior a 12 meses antes de se considerar a redução dos IS.
* É essencial observar a atividade imunológica, o que implica em níveis normais de complemento e baixos títulos de anticorpos anti-DNA.
* O processo de redução dos IS deve ser conduzido de maneira gradual e cuidadosa. Um plano de desmame para micofenolato e azatioprina é proposto (ver Figura 1). De modo geral, os IS devem ser retirados em um período de 12 meses.
* Após o início da redução dos IS, é necessário realizar avaliações a cada 3 meses, incluindo a monitorização de creatinina, proteinúria, hematúria, níveis de complemento e anticorpos anti-DNA.
* A retirada da hidroxicloroquina deve ser a última etapa no processo de desmame dos IS, porém sempre buscamos mantê-la na ausência de contraindicações.
* Caso ocorra um novo episódio de atividade sistêmica ou renal, a redução dos IS deve ser interrompida. O reinício dos IS dependerá das manifestações clínicas apresentadas.
* Não devemos esquecer das medidas de proteção renal, como restrição de sódio, uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA) ou bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA), e o uso de inibidores do cotransportador sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2).
* A repetição da biópsia renal pode ser uma ferramenta valiosa para evitar a redução dos IS em pacientes com atividade subclínica da nefrite lúpica, evitando desmames inadequados.