Esse artigo de revisão ([link](https://acrobat.adobe.com/id/urn:aaid:sc:VA6C2:fe9c0c31-4efa-4af0-8827-9672fb38e5c3)) abordou o tema de descontinuação de diálise na IRA, vale a pena a leitura.
A injúria renal aguda (IRA) é uma condição comum em pacientes críticos. Casos mais graves frequentemente demandam terapia renal substitutiva (TRS); até 10% dos pacientes críticos necessitam de diálise. Nas últimas décadas, vários estudos avaliaram qual seria o momento ideal para indicar o início da TRS em pacientes com IRA grave. Diante de um quadro de hipercalemia, acidose metabólica, oligúria ou uremia refratária, indicamos a diálise. Contudo, uma vez iniciada, quando devemos avaliar a descontinuação do tratamento?
É sabido que a falha na descontinuação da TRS está associada a um maior tempo de internação em UTI e mortalidade. Portanto, é necessário identificar preditores clínicos para auxiliar nessa decisão. Ao compararmos com a ventilação mecânica, onde vários estudos foram realizados para avaliar o melhor momento de descontinuação da VM, notamos que estudos bem desenhados para avaliar o desmame da TRS em pacientes com IRA são limitados.
Manter o paciente em TRS sem uma indicação precisa pode estar associado a uma menor chance de recuperação da função renal. Atualmente, a decisão de reduzir o suporte dialítico é baseada principalmente em parâmetros
bioquímicos, status hemodinâmico, balanço hídrico e distúrbios eletrolíticos. Como podemos definir uma descontinuação de TRS efetiva? Apesar da falta de definição na literatura, podemos considerar uma sescontinuação efetiva quando o paciente possui débito urinário suficiente para uma queda espontânea da
creatinina e mantém bom controle volêmico, metabólico e eletrolítico.
**Quais são os preditores de sucesso na descontinuação da TRS? **
**1. Diurese:**
O débito urinário é o principal critério clínico considerado nos estudos sobre o tema, mas o valor de corte do débito urinário (DU) varia bastante na literatura (191-1700 ml/dia). O Best Kidney Study ([link](https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19623048/)), com 529 pacientes, demonstrou que uma diurese espontânea >436 ml/dia e com estímulo diurético >2330 ml/dia possui especificidade e valor preditivo positivo satisfatórios em predizer o sucesso do desmame da diálise. O estudo AKIKI ([link](https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMoa1603017?url_ver=Z39.88-2003\&rfr_id=ori:rid:crossref.org\&rfr_dat=cr_pub%20%200www.ncbi.nlm.nih.gov))utilizou o parâmetro de descontinuação de diálise quando o DU >1000 mL/24h na ausência de diurético ou >2000 ml/dia com o uso de diurético. Apesar de o uso de furosemida não se associar à recuperação da função tubular, pacientes em uso de furosemida aumentam o débito urinário de forma significativa, o que pode auxiliar o desmame da diálise e evitar a falha do desmame por congestão.
**2. Biomarcadores convencionais:**
O nível sérico de creatinina foi identificado em diversos estudos como um preditor de desmame de TRS. A medição de clearance de creatinina >15-20 ml/min ou excreção urinária de creatinina >5mmol/l tem sido descrita como preditores. No caso de pacientes com IRA em hemodiálise intermitente, parâmetros como débito urinário >8,5 ml/kg/dia, ureia urinária >148 mmol/l e excreção de ureia >1,35 mmol/kg/24h foram excelentes preditores, com área sob a curva de 0,86, 0,83 e 0,96, respectivamente.
**3. Novos biomarcadores:**
Estudos com novos biomarcadores têm mostrado correlação com gravidade e evolução da IRA, sendo estudados para predizer recuperação e diferenciação dos casos de IRA transitória e persistente. O NGAL (Neutrophil gelatinase-associated lipocalin) é certamente um dos marcadores mais estudados nesse cenário. Nos pacientes com IRA em manejo conservador, a redução progressiva de NGAL pode predizer a recuperação da IRA. Este estudo ([link](https://karger.com/bpu/article-abstract/48/1/10/327167/The-Effect-of-Serum-Neutrophil-Gelatinase?redirectedFrom=fulltext)) demonstrou que o valor de 403 ng/ml de NGAL se associou com uma área sob a curva de 0,81 em predizer a descontinuação de diálise. Dificilmente teremos um valor isolado de NGAL que possa definir condutas, mas uma curva de evolução, com redução consecutiva de biomarcadores, pode ser utilizada na prática clínica.
** 4. Escore de risco:**
Vários estudos utilizam análises multivariáveis para predizer a possibilidade de descontinuação de TRS. A maioria são estudos de centro único com limitações metodológicas. Este estudo ([link](https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33735858/)) identificou critérios a serem avaliados no D-1 (dia prévio da descontinuação de diálise): diurese >300 ml/dia, pressão arterial média entre 50-78 mmHg, potássio \<4,1 mg/dl e ureia \<75 mg/dl podem auxiliar a identificar pacientes que terão sucesso em descontinuar TRS contínua. A presença destas 04 variáveis apresenta uma área sob a curva de 0,73.
**Opinião do Nefroatual:**
Com as evidências atuais, não é possível fazer recomendações objetivas para a descontinuação de TRS em pacientes com IRA baseadas em parâmetros isolados. No futuro, possivelmente utilizaremos scores compostos que
nos auxiliarão na identificação de pacientes com IRA em diálise que serão candidatos à descontinuação da terapia. De forma prática, antes de considerarmos a descontinuação de TRS, devemos avaliar otimização hemodinâmica
e metabólica associada com débito urinário apropriado, ou seja, >500 ml sem diurético ou >2.000 ml com estímulo diurético (Figura 1). Outra consideração importante é avaliar se a indicação que levou o paciente a necessitar de TRS foi resolvida. Se a TRS tiver sido iniciada para controle volêmico, alterações eletrolíticas ou uremia, tais parâmetros devem ter sido restabelecidos, juntamente com estabilidade hemodinâmica respiratória e cardiovascular.