A obesidade é um fator comum no desenvolvimento e agravamento da doença renal crônica (DRC). Ela contribui com a DRC através de efeitos anatômicos, hemodinâmicos, neuro-hormonais, lipotóxicos e inflamatórios, além de estar associada a doenças associadas como diabetes tipo 2, hipertensão e doenças cardiopulmonares.
Aqui vamos resumir as opções farmacológicas para tratar a obesidade em adultos com DRC, analisando-as sob a perspectiva renal 😊
Este resumo foi baseado no artigo "Anti-obesity pharmacotherapy in adults with1chronic kidney disease" publicado no Kidney International em dezembro de 2023 ([link](https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0085253823007627)).
As opções de tratamento para obesidade atuais incluem:
1. Intervenções para mudança no estilo de vida
2. Cirurgia bariátrica/metabólica
3. Intervenções endoscópicas
4. Tratamento farmacológico.
Embora intervenções de estilo de vida sejam a terapia de primeira linha, ensaios clínicos randomizados e
evidências empíricas em diversas culturas demonstram que elas são eficazes para reverter a obesidade de forma prolongada apenas em uma minoria de indivíduos.
Por que isso acontece? ☹
O modelo tradicional descreve a obesidade como um distúrbio de balanço energético que se desenvolve quando as
"calorias ingeridas" superam as "calorias gastas". Baseado neste modelo, intervenções no estilo de vida (por exemplo, comer menos e mais atividade) deveriam levar à perda de peso. E é sim eficaz, mas por pouco tempo...
O modelo atual postula que a obesidade é um distúrbio multifatorial e que o corpo "se defende" contra a perda de gordura, retornando ao ponto prévio de gordura corporal após cada período de restrição calórica ou aumento de atividade física. As alterações no ambiente neuro-intestinal-endócrino estão por trás dessa defesa
da gordura.
Mesmo que os pacientes consigam superar as dificuldades de manter uma dieta restritiva ou aumento de atividade
a longo prazo, esse novo paradigma ajuda a explicar por que dieta e exercício são estratégias malsucedidas para muitas pessoas. Também explica por que o alvo hormonal, como ocorre com novos agentes antiobesidade, pode ser uma estratégia eficaz de perda de peso e é sobre elas que iremos falar hoje.
Mas antes vamos falar dos procedimentos invasivos.
A cirurgia bariátrica/metabólicatem sido historicamente a estratégia antiobesidade mais eficaz e duradoura, com
evidências crescentes de seus efeitos nefroprotetores. Contudo, sua aplicabilidade é limitada por barreiras como custos, aprovação de seguros, exigência de perda de peso pré-cirúrgica e acesso ao atendimento cirúrgico,
especialmente fora de áreas urbanas. Já as intervenções endoscópicas ainda carecem de evidências quanto à nefroproteção e benefícios em longo prazo.
Historicamente, a farmacoterapia antiobesidade em pessoas com DRC sofria limitações, pois os medicamentos
mais antigos ofereciam apenas pequena perda de peso e frequentemente tinham efeitos colaterais proibitivos. No entanto, novos medicamentos antiobesidade estão transformando o horizonte do tratamento.
Uma revisão voltada para a Nefrologia dos medicamentos antiobesidade
São 7 medicamentos antiobesidade aprovados pelo FDA em categorias baseadas no mecanismo de ação subjacente:
1. Enteroendócrinos
2. Estimulantes
3. Outros
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A potência das medicações foram avaliadas em estudos clínicos são demonstradas abaixo:
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É importante destacar que esses dados são todos derivados de indivíduos com obesidade e função renal normal,
devido à escassez de dados na população com DRC.
Vamos falar de cada uma das medicações agora 😊
1\) LIRAGLUTIDA
Liraglutida (Saxenda, Victoza): É agonistas do receptor do peptídeo semelhante ao glucagon 1 (GLP-1) e induz perda de peso por causar aumento da saciedade direto no sistema nervoso central e desacelerando o esvaziamento gástrico. Alguns estudos avaliaram o efeito da liraglutida na perda de peso através dos estágios da DRC. O maior estudo em pacientes com DRC para avaliar a eficácia da liraglutida relatou uma diferença estimada de tratamento de perda de peso de 2,9 kg em comparação com o placebo durante um seguimento médio de
3,8 anos (pouco, não é? ☹). Em contraste, um pequeno estudo em pacientes com DRC estágio 5 encontrou que a liraglutida reduziu o peso de forma não significativa em comparação com controles saudáveis.
OBS: Há um crescente corpo de evidências sugerindo que agonistas GLP-1, como a liraglutida, têm efeitos renoprotetores. Um exemplo é o estudo LEADER ([link aqui](https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1616011)).Os pacientes que usaram a liraglutida tiveram uma menor incidência de um desfecho renal composto (macroalbuminúria persistente de início novo, duplicação persistente da creatinina sérica, TFGe ≤ 45 mL/min por 1,73 m2 e necessidade de diálise).
2\) SEMAGLUTIDA
Semaglutida (Ozempic, Wegovy, Rybelsus): é um agonista mais recente do receptor GLP-1 aprovado para diabetes em doses semanais subcutâneas de 0.5 a 2 mg sob o nome comercial Ozempic e em forma oral (3, 7 e 14 mg) como Rybelsus. Em 2021, a semaglutida 2.4 mg semanal subcutânea (Wegovy) foi aprovada pela FDA
para o tratamento da obesidade (essa formulação acabou de chegar no Brasil). Essa droga induziu perda de peso maior que o placebo em 68 semanas e foi a única testada exclusivamente em indivíduos com DRC, mostrando resultados promissores ([link aqui](https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S2213858719301925)). O população do estudo foi inteiramente composta por indivíduos com DRC estágio 3 (TFG média 48ml/min). Nas 26 semanas, a semaglutida induziu perda média de 2,5 kg do que os
controles. Embora existam relatos isolados de IRA induzida por semaglutida, incluindo nefrite intersticial comprovada por biópsia, semelhante à liraglutida, há evidências de efeitos renoprotetores da semaglutida. Estamos aguardando o estudo: FLOW (que já terminou a inclusão de 3.534 pacientes que já concluiu o recrutamento e será publicado em 2024 - média de TFGe de 47mL/min e RAC: 568mg/g).
3\) FENTERMINA
Fentermina (Adipex-P, Lomaira, Suprenza): é um análogo atípico de anfetamina que aumenta a liberação de noradrenalina e, em menor grau, dopamina e serotonina. Isso leva à redução da fome e à perda de peso por meio da redução da ingestão calórica. É aprovado para tratamento de curto prazo (ou seja, 12 semanas) como complemento às mudanças no estilo de vida. Não há estudos sobre sua eficácia em perda de peso em indivíduos com DRC. Há relatos de casos associam o uso de fentermina com hipertensão descontrolada e vasculopatia, resultando em IRA, nefrite intersticial, rabdomiólise e glomerulonefrite membranoproliferativa. A excreção urinária da fentermina varia de 62% a 85%, podendo acumular-se em casos de redução da função renal.
4\) FENTERMINA + TOPIRAMATO
A combinação de fentermina-topiramato (Qsymia): é aprovada para uso contínuo. A fentermina tem efeitos
simpaticomiméticos, enquanto o topiramato pode suprimir o apetite e aumentar a saciedade, afetando a transmissão de neurotransmissores. Não há estudos sobre a perda de peso usando fentermina-topiramato em pessoas com DRC. Análises de dados pós-comercialização indicam que esta combinação tem o segundo
maior número de eventos de LRA/lesão renal entre todas as classes de drogas antiobesidade. Ambos os componentes são excretados pelos rins, portanto, ajustes de dose são necessários em DRC avançada. Qsymia não foi estudado em indivíduos com DRC estágio 5.
Outros Medicamentos:
5\) Orlistat (Xenical, Alli): é um inibidor da lipase que previne a absorção de gordura no intestino. Em um estudo, orlistat em combinação com terapia comportamental, dieta e exercício resultou em perda de peso significativa em pacientes com DRC. Entretanto, 27% dos participantes abandonaram o estudo, e há relatos de casos associando orlistat à LRA ou DRC estágio 5, presumivelmente devido à nefropatia por oxalato. Menos de 2% do orlistat é
excretado pelos rins, então ajuste de dose não é necessário.
6\) Naltrexona-bupropiona (Contrave): combina um antagonista dos receptores opioides e um inibidor da recaptação de dopamina e noradrenalina. Não foi estudado em pessoas com DRC, e ambos os medicamentos são excretados principalmente pelos rins, necessitando ajuste de dose em DRC estágios 3 e 4.
7) Setmelanotide (Imcivree): atua no receptor melanocortina-4, parte da via leptina-melanocortina. Indicado para obesidade por deficiências genéticas específicas, exige ajuste de dose em DRC estágio 4. Não é recomendado para pacientes com TFGe \< 15 ml/min por 1.73 m².
Ainda não aprovado pelo FDA a Tirzepatide (Mounjaro): é um agonista duplo do receptores GLP-1 e do peptídeo insulinotrópico dependente de glicose, aprovado para tratamento de diabetes e esperado para ser aprovado para obesidade em 2024. Em estudos, tirzepatide mostrou significativa perda de peso em adultos sem diabetes, com melhor eficácia comparado ao semaglutide. Efeitos colaterais comuns são gastrointestinais, e eventos renais foram
similares entre tirzepatide e placebo. Não é necessário ajuste de dose em pacientes com DRC ou DRC estágio 5. Estudos indicam potenciais efeitos renoprotetores do tirzepatide 😊
Resumindo:
1\. A obesidade é um fator de risco significativo para o desenvolvimento e progressão da DRC e um desafio para seu manejo efetivo.
2\. Novas medicações antiobesidade estão transformando o cenário de tratamento com melhores perfis de eficácia e tolerabilidade, incluindo liraglutida, semaglutida e tirzepatide.
3\. Estas drogas apresentam eficácia na perda de peso e benefícios metabólicos, com e devem ser considerados em pacientes com DRC.
4\. Além do manejo da obesidade, alguns desses medicamentos podem ter efeitos nefroprotetores.
5\. A necessidade de ajuste de dose e monitoramento de função renal é necessária em algumas medicações, especialmente ao iniciar ou aumentar a dose de medicamentos.
Esperamos que, quando custos desses medicamentos forem reduzidos, eles sejam adotados com mais
entusiasmo, sozinhos ou em combinação com outras estratégias de perda de peso pelos nefrologistas e utilizados pelos pacientes com obesidade e DRC.
E aí? Já prescreveu para algum paciente seu? Comenta aqui.