Este artigo do Core Curriculum 2025 aborda os erros analíticos mais comuns em exames de sódio, potássio, bicarbonato e creatinina, destacando dicas práticas para identificar inconsistências e garantir diagnósticos mais precisos ([link](https://www.ajkd.org/action/showPdf?pii=S0272-6386%2824%2900921-1)).
Estima-se que cerca de 70% das decisões médicas se baseiam nos resultados de exames laboratoriais. Por isso, resultados confiáveis são essenciais para o diagnóstico, prognóstico e tratamento efetivo dos pacientes. Entretanto, erros analíticos ou pré-analíticos podem comprometer os resultados, aumentando custos, causando estresse aos pacientes e até elevando a morbimortalidade. Para evitar esses problemas, é fundamental interpretar os exames de forma crítica, especialmente quando os resultados divergem do quadro clínico do paciente.
Sódio
Nos casos de hiponatremia isotônica e assintomática, deve-se excluir a possibilidade de pseudo-hiponatremia, que pode ocorrer em pacientes hiperlipidemia ou hiperproteinemia. pode ser consequência das limitações analíticas do método eletrodo íon seletivo indireto. Existem dois métodos principais para se dosar o natremia:
* Método indireto: a amostra de sangue é diluída antes de ser realizada a imersão do eletrodo e a natremia é medida assumindo que o soro é composto 93% de água e 7% de proteínas e lipídios. Se essa proporção for alterada, os níveis de sódio podem ser subestimados.
* Método direto: não requer a diluição da amostra, eliminando essa interferência e medindo o sódio de forma mais precisa.
Apesar do método indireto não ser o ideal para alguns pacientes, em geral é o método de escolha para análise química automatizada de larga escala. Isso acontece porque este método permite uma maior durabilidade dos eletrodos e ao menor volume necessário de amostra.
Potássio
As principais causas de pseudo-hipercalemia são:
* Hemólise: a hemólise pode ser facilmente detectada pelos laboratórios por meio de técnicas colorimétricas. Geralmente, quando detectadas, as amostras são retidas. Além disso, o laboratório também pode avaliar o impacto da hemólise e estabelecer cutoffs para as alterações nos níveis de potássio dependendo do grau de hemólise.
* Leucocitose (especialmente valores > 50x109/L): contagens elevadas de leucócitos, como nas leucemias linfocíticas crônicas, podem aumentar a fragilidade da membrana celular, levando a maior saída de potássio para o meio extracelular.
* Trombocitose (especialmente valores > 500x109/L): grandes quantidades de plaquetas, ao coagular no tubo, liberam potássio no soro. Para evitar esse problema, recomenda-se coletar amostras em tubos que impedem a coagulação, como tubos com heparina.
* Exposição prolongada do tubo com amostra de sangue não centrifugado a baixas temperaturas: em baixas temperaturas, a afinidade do ATP diminui, reduzindo a atividade da bomba Na⁺/K⁺-ATPase, o que provoca a exteriorização do potássio para o fluido extracelular. Além disso, a demora no processamento da amostra, devido à exaustão da glicose na produção de ATP, também pode levar à falência dessa bomba, resultando em pseudo-hipercalemia e pseudo-hipoglicemia.
Bicarbonato
Os dois métodos mais comuns para se medir o bicarbonato são:
* Automatizado por eletrodo íon sensível ou método enzimático espectrofotométrico: medem o bicarbonato através dos níveis de CO2 no sangue. Nestas técnicas, elevados níveis de lipídios (como triglicerídeos > 1000 mg/dl) podem causar leituras falsamente baixas do bicarbonato.
* Métodos point-of-care utilizados para gasometria arterial calculam (não medem diretamente na amostra) o bicarbonato através da da equação de Henderson-Hasselbalch. Dessa forma, não há interferência pelos níveis de lipídeos.
A demora na análise ou o uso de tubos subpreenchidos também pode resultar em níveis falsamente baixos devido à perda de CO₂. Como evitar? Preenchendo pelo menos ¾ do tubo com a amostra e analisando o material em menos de 60 minutos da coleta, idealmente dentro dos primeiros 30 minutos.
Creatinina
Os dois principais ensaios utilizados para medir a concentração da creatinina são:
* Jaffe: baseia-se na reação do picrato com a creatinina, que resulta em uma cor amarelo-alaranjada que é quantificada. Por isso, esse método não é totalmente específico e é suscetível a interferências de pseudo-cromógenos, como a bilirrubina, que podem resultar em valores falsamente elevados de creatinina.
* Enzimático: o valor da creatinina é calculado através de reações enzimáticas e é considerado o método mais preciso. No entanto, particularmente se a coleta da amostra for realizada na topografia onde está sendo infundida dobutamina ou dopamina, pode resultar em valores falsamente baixos de creatinina.
"Além disso, observa-se que os valores seriados de creatinina podem variar, motivo pelo qual algumas diretrizes recomendam estabelecer uma margem para determinar quais alterações são ou não clinicamente significativas:
* Se a creatinina no baseline for < 1 mg/dl, mudanças menores que 0.2 mg/dl não são significantes.
* Se a creatinina no baseline for > 1 mg/dl, mudanças menores que 20% não são significantes.
O nefrologista deve estar atento aos erros analíticos mais comuns e trabalhar em conjunto com o laboratório para minimizar essas ocorrências. A interpretação crítica dos resultados é essencial para garantir diagnósticos e decisões terapêuticas mais seguras e eficazes.