Ciclosporina (CYA) e tacrolimos (FK) são inibidores seletivos da calcineurina que inibem a síntese de IL-2 e
diversas citocinas nos linfócitos T, sendo os principais imunossupressores (IS) utilizados no transplante de órgãos sólidos.
Ambas os medicamentos foram inicialmente isolados de fungos. Agem primariamente nos linfócitos T auxiliares. Causam produção de TGF-beta, o que pode contribuir para fibrose renal. Diferente de outros IS não causam mielotoxicidade significativa.
Em relação a prescrição destes medicamentos devemos considerar a dose, a via, a formulação e as concentrações sanguínea. Tanto a ciclosporina quanto o tacrolimos são apenas parcialmente absorvidos, com grande variabilidade inter e intraindividual.
**Falando sobre aspectos práticos e posologia:**
**Ciclosporina **(disponível via oral, IV e oftalmológica).
* Forma não modificada possui absorção errática. Formulação modificada (microemulsão) é mais estável pois não sofre interferência da secreção biliar.
* Intervalo de 12/12 horas. Se esquecer a administração, tomar o mais rápido possível em até 4 horas, não dobrar a dose seguinte. Ligação a material de plástico (superfícies de copos/sondas)
* Dose: CYA: 4-10 mg/kg/dia (dividido em duas doses). Cápsulas de 10mg, 25 mg, 50 mg e 100 mg. Solução oral 100mg/mL.
**Tacrolimo **(disponível via oral, IV e tópica)
* Liberação estendida (posologia 24/24 horas) ou liberação imediata (posologia 12/12 horas)
* Dose: FK –0,1-0,2 mg/kg/dia (dividido em duas doses).
* Cápsulas de 1 mg e 5 mg. Solução injetável 5mg/mL.
**Monitorização**
Existe a necessidade de monitorar nível sanguíneo terapêutico para adequada imunossupressão com o mínimo de toxicidade.
CYA: monitorizar no vale, após 12 horas da última dose (C0) ou duas horas após a última dose (C2). A maioria dos serviços utilizado C0 devido a praticidade, porém C2 tem melhor correlação com eficácia, segurança e taxa de rejeição.
FK: monitorizar concentração no vale (C0).
Após modificação da dose, devemos checar os níveis sanguíneos após 2-3 dias. Geralmente no pós transplante
realiza-se avaliação dos níveis semanalmente (primeiro mês), quinzenalmente (primeiros 3 meses) e então mensalmente nos primeiros 6 meses, porém protocolo varia de acordo com cada serviço.
**Ajuste de doses**
Antes de qualquer modificação na dose sempre devemos nos certificar que a concentração é confiável, ou seja, que a coletada foi realizada de forma adequada.
CYA: Se a concentração de CYA está baixa ou elevada, devemos aumentar ou reduzir cada dose em 25-50 mg.
Se nível supraterapêutico (C0 >400 ng/mL), suspender e retornar com ajuste de dose
FK: Se a concentração de FK está baixa ou elevada, devemos aumentar ou reduzir a dose em 0,5-1 mg.
Se nível supraterapêutico (C0 >20 ng/mL), suspender e retornar com ajuste de dose.
Tanto CYA quanto FK atingem concentrações estáveis após quatro a seis doses e, portanto, devemos avaliar
novas mudanças após dois a três dias do último ajuste.
**Dica prática se necessidade de troca de CYA para FK. Para conversão de dose de ciclosporina para tacrolimo devemos utilizar uma relação 40:1. Por exemplo, se um paciente toma 125 mg de ciclosporina 12/12 horas (250 mg/dia), então uma dose de tacrolimos de 3 mg 12/12 horas (6 mg/dia) pode ser adequado.**
**Interações medicamentosas**
O FK e CYA são metabolizados pelo citocromo P450 e transportados pela glicoproteína P, logo, devemos ter atenção quanto interação com outros medicamentos.
Sugerimos utilizar as ferramentas Drug interactions (UpToDates) ou Drug Interactions Checker ([Medscape](https://reference.medscape.com/drug-interactionchecker)).
Atenção especial a introdução de medicamentos como macrolídeos, antifúngicos e bloqueadores canais de cálcio que elevam nível sanguíneo e anticonvulsivantes, e tuberculostáticos que reduzem a concentração sanguínea.
Observação importante: em virtude de interação de farmacodinâmica, devemos utilizar doses e concentração sanguínea menores de FK e CYA quando for associado inibidores da mTOR ao esquema de imunossupressão.
**Efeitos colaterais para ficarmos atentos**
Os efeitos colaterais do FK e CYA são similares. Geralmente são menos comuns no tratamento de pacientes com
doenças autoimunes, já que recebem doses menores e frequentemente descontinuam a medicação frente a complicações.
**Nefrotoxicidade**: Efeito comum, pode ocorrer elevação aguda da creatinina, decorrente com efeito de
vasoconstrição de arteríola aferente e lesão tubular direta, reversível com redução da dose. Raramente pode ocorrer microangiopatia trombótica, evento cada vez menos comum com as doses preconizadas atualmente.
**Hipertensão**: Decorre da vasconstricção arteriolar e retenção salina, ocorre já no início do tratamento (mais comum com a CYA). Boa resposta com anti-hipertensivos, preferencialmente utilizamos bloqueadores dos canais de cálcio. Caso seja utilizado diltiazem, reduzir dose da ciclosporina.
**Neurotoxicidade**: Uma das manifestações comuns é o tremor, geralmente é leve, ocorre em 35-55% dos casos
e tende a melhorar com a manutenção do tratamento (mais comum com FK). Raramente pode ocorrer cefaleia, alterações visuais e convulsão (síndrome PRESS). Atenção especial com encefalopatia, convulsões, déficits focais e coma em pacientes recebendo tacrolimo venoso. Uma outra rara manifestação é a síndrome do edema ósseo, falamos sobre esse tópico aqui no NefroUpdates ([link](https://www.nefroatual.com.br/nefroupdates/posts/dores-em-membros-inferiores-em-um-transplantado-renal)).
**Anormalidades metabólicas**: diabetes mellitus (mais comum com FK), hiperlipidemia (mais comum com CYA),
hiperuricemia e gota, hipercalemia, hipomagnesemia (mais comum com FK) e osteoporose (mais comum com CYA).
**Anormalidades pele e mucosas**: hiperplasia gengival e hirsurtismo podem ocorrer com uso de CYA. Alopecia já foi associada ao uso de FK (3-6% dos transplantes).
E ai, o que achou dessa abordagem prática?
Comenta aqui embaixo mais dicas sobre o manejo dos inibidores da calcineurina. Envia também dúvidas e sugestões.