A anemia é uma complicação comum e importante em pacientes em hemodiálise, diretamente associada à diminuição da qualidade de vida e ao aumento de morbidade cardiovascular. O manejo adequado envolve monitoramento rigoroso e tratamento baseado em parâmetros laboratoriais, como os níveis de hemoglobina (Hb) e os estoques de ferro.
A meta ideal de Hb para pacientes em diálise deve ser entre 10 e 11,5 g/dL, conforme sugerido pelas diretrizes. Esse intervalo busca equilibrar a melhora dos sintomas de anemia, como fadiga e dispneia, com a redução do risco de eventos adversos, como trombose de acesso vascular e eventos cardiovasculares. Hemoglobinas superiores a 11,5 g/dL, especialmente acima de 13 g/dL, estão associadas a maior risco de complicações, e a dose de eritropoetina deve ser ajustada ou suspensa nesse caso.
Importância dos estoques de ferro
A perda de ferro no paciente em hemodiálise é cerca de 1-2 g por ano (pode chegar a 4-5 g em alguns pacientes), logo, devemos manter tratamento de manutenção entre 100-200 mg/mês com uso de ferro intravenoso (IV) para evitar depleção dos estoques. É recomendado manter tratamento de manutenção com ferro venoso, exceto se:
* Infecção bacterina ou fúngica ativa
* Saturação transferrina >40% ou Ferritina >700 ng/mL (alguns advogam até 1.300 ng/mL)
Valores de Hemoglobina e Condutas
1-Hemoglobina \<10 g/dL e Saturação de Transferrina ≤30%
Para pacientes com Hb abaixo de 10 g/dL e saturação de transferrina (IST) ≤30%, a recomendação inicial é o uso de ferro IV. A administração de uma dose de reposição de ferro visa corrigir a deficiência de ferro e aumentar a disponibilidade desse mineral para a eritropoiese, o que pode elevar os níveis de Hb sem a necessidade inicial de agentes estimuladores da eritropoiese (EPO).
Ação: Administrar ferro intravenoso em dose de ataque até que a IST seja > 30%. Monitorar Hb e repetir o ferro IV conforme necessidade, dependendo da resposta clínica e laboratorial.
Vigilância:
* O limite superior de ferritina para se evitar uma dose de ataque de ferro intravenoso é geralmente de 500 ng/mL (podendo chegar até 800-1300 ng/mL).
* Pacientes com ferritina >500 ng/mL e baixa saturação de transferrina devem ser investigados para processos inflamatórios crônicos e/ou desnutrição.
* Pacientes que não aumentam Hb ou estoques de ferro apesar do tratamento com ferro venoso adequado devem ser investigados quanto a perda de sangue pelo trato gastrointestinal
2-Hemoglobina \<10 g/dL e Saturação de Transferrina >30%
Pacientes com Hb abaixo de 10 g/dL e TSAT acima de 30% já possuem estoques de ferro adequados. Nesse cenário, o uso de eritropoetina é recomendado para estimular a produção de hemácias.
Ação: Iniciar terapia com EPO. O ajuste da dose deve ser feito de acordo com os níveis de Hb e a resposta ao tratamento, evitando elevações rápidas para minimizar o risco de efeitos adversos.
3-Hemoglobina ≥10 g/dL e Saturação de Transferrina ≤20%
Pacientes com Hb ≥10 g/dL, mas com IST ≤20% e ferritina ≤200 ng/mL, apresentam provável deficiência de ferro. Nesse grupo, a suplementação de ferro IV é indicada para corrigir essa deficiência, mesmo que os níveis de Hb estejam acima de 10 g/dL, pois as perdas contínuas de ferro durante a diálise podem levar à queda progressiva da Hb.
Ação: Administrar ferro IV até que a IST seja superior a 20%. Avaliar necessidade de manutenção de ferro para evitar futuras quedas dos níveis de Hb.
4-Hemoglobina ≥10 g/dL e Saturação de Transferrina >20%
Quando os níveis de Hb estão > 10 g/dL e os estoques de ferro adequados (IST >20% e ferritina >200 ng/mL), não há indicação obrigatória de ferro IV ou EPO de forma proativa. No entanto, a manutenção da terapia com ferro pode ser necessária em alguns casos, para garantir que os estoques de ferro permaneçam suficientes, evitando a necessidade futura de reposição urgente ou quedas abruptas da Hb.
Ação: Manter ferro IV para garantir que o IST se mantenha em níveis adequados, com monitoramento periódico (3/3 meses) para evitar a elevação excessiva da da IST >40% e ferritina >700 ng/mL.
Opinião Nefroatual
A conduta no tratamento da anemia em pacientes em diálise deve ser guiada por uma monitorização rigorosa dos níveis de hemoglobina e ferro. A reposição de ferro IV e o uso criterioso de EPO são essenciais para evitar anemia grave e suas complicações, garantindo a melhora da qualidade de vida dos pacientes. O alvo de Hb entre 10 e 11,5 g/dL é seguro e eficaz, devendo ser individualizado conforme a resposta ao tratamento e a presença de comorbidades.
É importante ressaltar existem evidencias relacionando a deficiência relativa de ferro com piora da cognição, redução da qualidade de vida e risco de internação por insuficiência cardíaca nos pacientes em diálise, logo, esses parâmetros devem ser avaliados em conjunto na prescrição de ferro IV.
Bibliografia
UpToDate: Treatment of iron deficiency in patients on dialysis. Sep 2024