A síndrome do intestino curto (SIC) é uma causa de má absorção intestinal de água, eletrólitos e nutrientes,
podendo ocorrer como complicação ou tratamento de uma série de doenças do trato gastrointestinal (doenças inflamatórias, isquemia ou tumores).
Um achado descrito nas últimas décadas é o risco de DRC na população com SIC, decorrente da idade, infecções,
hipovolemia, nefrolitíase e nefropatia por oxalato. A prevalência de pedras por oxalato em pacientes com SIC varia de 15 a 60%.
Nos pacientes com SIC, devemos ter atenção especial ao risco de hiperoxalúria entérica (HE) e ao consequente
risco de nefropatia por oxalato. Achados de biópsia em pacientes com nefropatia por oxalato identificam um estado de disabsorção na maioria dos pacientes. O oxalato é considerado uma toxina urêmica; seu acúmulo reflete a severidade da doença renal e um risco cardiovascular aumentado.
Este foi um estudo interessante que avaliou os níveis séricos de oxalato em pacientes com SIC e hiperoxalúria
entérica (HE). Trata-se de um estudo prospectivo realizado na França e publicado no Kidney International Report ([confere aqui](https://www.kireports.org/action/showPdf?pii=S2468-0249%2823%2901646-7)). Foram incluídos pacientes com mais de 18 anos e diagnóstico de SIC (tipo 2 e 3 há mais de 6 meses). Foram excluídos pacientes com suspeita de hiperoxalúria primária. A intenção foi avaliar os níveis de oxalato plasmático e sua relação com desfechos clínicos. Foram considerados normais os níveis plasmáticos de oxalato entre 1 e 5 µmol/L.
Foram avaliados 45 pacientes. Como características da coorte, a idade média foi de 60,5 anos, 55% do sexo
masculino, com TFGe de 66 ml/min/1,73m².
Quais informações importantes deste estudo?
* Elevada taxa de nefrolitíase nesta população (58%)
* Elevada taxa de DRC: 8,8% estágio4, 26,6% estágio 3 e 51,1% estágio 2
* 14% dos pacientes foram classificados como tendo hipovolemia (baseado nos níveis de renina)
* Foi identificada uma elevada proporção de pacientes com hiperoxalúria entérica (54%), e quase 30%
apresentaram níveis elevados de oxalato plasmático
* O valor plasmático médio de oxalato foi de 6,8 ± 4,4 µmol/L, bem acima do esperado
* Utilizou-se uma coorte de DRC para comparar os níveis de oxalato plasmático. Níveis ≥5 µmol/L só foram
identificados em pacientes com TFGe >10 ml/min/1,73m². No estudo, os níveis de oxalato plasmático estavam elevados mesmo em pacientes com TFGe >80 ml/min/1,73m²
* Como esperado, pacientes com níveis elevados de oxalato apresentavam uma maior excreção urinária de oxalato. Porém, não foram identificadas diferenças quanto à história de nefrolitíase em pacientes com excreção urinária de oxalato normal ou elevada.
Opinião Nefroatual
Esse estudo mostra que os níveis de oxalato plasmático encontram-se elevados de forma precoce em pacientes com HE, quando comparados a outras causas de DRC. Como esperado, os níveis plasmáticos de oxalato foram maiores nos indivíduos com DRC mais avançada, porém não foi a intenção do estudo estabelecer relação de causalidade.
Apesar de não ser possível estabelecer causalidade, em pacientes com doenças disabsortivas, níveis elevados de oxalato são um fator de risco para nefropatia por oxalato. Estudos experimentais sugerem que o oxalato inibe a proliferação de células do epitélio tubular, exerce toxicidade direta e promove fibrose.
Estudos na população com hiperoxalúria primária mostram uma correlação inversa entre TFGe e níveis de oxalato plasmático, antes de existir perda de função renal. Desta forma, os níveis de oxalato podem ser um valioso biomarcador em pacientes com má absorção grave, particularmente para detectar o risco de hiperoxalúria e a progressão para DRC.