Os inibidores SGLT2 possuem benefícios renais e cardiovasculares evidentes em pacientes com DM2. Além disso, nos últimos anos, esses benefícios foram estendidos para pacientes com doença renal crônica (DRC) e insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER), com ou sem DM2.
No entanto, o temor em relação ao risco de infecções do trato geniturinário (GU) associadas aos iSGLT2 limita a prescrição desta classe de medicamentos.
Se você ainda tem receio de prescrever iSGLT2, o Journal of the American College of Cardiology (JACC) trouxe uma excelente revisão sobre o tema ([disponível aqui](https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0735109724004170)).
Principais aprendizados desta revisão:
Acredita-se que as infecções GU relacionadas aos iSGLT2 sejam o resultado de glicosúria induzida farmacologicamente, proporcionando um ambiente de crescimento favorável para microrganismos do GU. No entanto, estudos in vitro não mostraram diferença no crescimento bacteriano na urina de pacientes diabéticos sem glicosúria em comparação com controles. É sabido que, no caso de infecções genitais por fungos, a glicose é um importante fator de crescimento para Candida albicans.
Em 2015, o FDA emitiu um alerta para o risco de ITU baseado em 19 casos de pielonefrite. Em 2018, foi emitido um alerta de segurança sobre o risco de gangrena de Fournier baseado em 12 casos de pacientes tomando iSGLT2.
Quando avaliados os principais ensaios clínicos randomizados (iSGLT2 vs. placebo), não foram evidenciadas diferenças significativas em ITU, exceto no estudo VERTIS (12,1% vs. 10,2%) com ertugliflozina e EMPEROR Preserved (9,9% vs. 8,1%) com empagliflozina.
Meta-análises sobre o risco de ITU são conflitantes, principalmente devido a diferenças nas definições de ITU e ITU grave. Porém, a incidência de ITU complicadas (pielonefrites com necessidade de internação) é consistentemente baixa em todos os ensaios clínicos (\<2%), sem diferenças significativas em relação a urosepse ou pielonefrite com necessidade de internação hospitalar.
Quanto ao risco de micoses genitais, pacientes recebendo iSGLT2 têm reconhecidamente uma maior prevalência de infecções fúngicas, cerca de 7%, chegando a 10% em mulheres e 4% em homens. Esse risco aumenta com o tempo de duração do DM e descontrole glicêmico.
Medidas comportamentais, como higiene perineal e práticas sexuai, podem contribuir para o risco e devem ser um ponto de atenção no momento da orientação.
A gangrena de Fournier (fasciíte necrotizante) é uma infecção rara, mas potencialmente letal. Uma meta-análise com quase 70 mil pacientes evidenciou a ocorrência de 6 casos no grupo controle e 3 casos em usuários de iSGLT2. Embora tenha ocorrido alerta do FDA, estudos de causalidade associados aos iSGLT2 não foram confirmados.
Pontos práticos:
Devemos prescrever iSGLT2 para pacientes com fatores de risco para infecções geniturinárias?
O benefício cardio-renal deve ser fortemente levado em consideração. Caso o paciente possua histórico de infecções GU não complicadas, não há motivos para evitar o uso. Em pacientes com infecções recorrentes ou complicadas, devemos tratar os fatores de risco e então considerar o uso.
Lembrando que não existe indicação de antibioticoprofilaxia ou solicitação de cultura de urina por conta do início dos iSGLT2, bem como bacteriúria assintomática não é contraindicação à prescrição dos iSGLT2.
Se o paciente evoluir com infecção GU, devemos suspender os iSGLT2?
Não. Diferentemente dos casos de cetoacidose euglicêmica, em que fazemos uma suspensão temporária dos iSGLT2, não existe essa indicação para casos de infecções GU. A manutenção do medicamento não aumentou o risco de recorrência ou severidade das infecções quando comparado ao placebo.
Informação muito importante: nos estudos EMPEROR Reduced e EMPEROR Preserved, quando ocorreu a descontinuação por 30 dias da empagliflozina, foi observado aumento do risco de morte cardiovascular e hospitalização por IC, efeito não visto com a descontinuação do placebo.
Desta forma, devemos suspender os iSGLT2 apenas em um cenário de infecção grave. Nesses casos, podemos reiniciar o tratamento e manter vigilância quanto a sintomas urinários, especialmente nas primeiras duas semanas.
Aprendizados:
\- O tratamento com iSGLT2 está associado a um risco aumentado de micose genital, mas não de ITU ou fasciíte necrosante do períneo (gangrena de Fournier).
\- Os benefícios dos SGLT2 geralmente superam o risco de infecções GU associadas ao tratamento.
\- Na maioria dos casos, os pacientes que desenvolvem infecções GU graves leves a moderadas ou estáveis podem continuar com os SGLT2is.