A decisão de iniciar ou interromper a diálise envolve considerações importantes que transcendem os simples protocolos médicos. A "Shared Decision Making in the Appropriate Initiation of and Withdrawal from Dialysis - Clinical Practice Guideline, Second Edition", ([documento](https://cdn.ymaws.com/www.renalmd.org/resource/resmgr/Store/Shared_Decision_Making_Recom.pdf)) publicado pela Renal Physicians Association, oferece uma estrutura abrangente e detalhada para orientar médicos, pacientes e suas famílias neste processo delicado e
muitas vezes angustiante.
Essas diretrizes são fundamentais para a prática da nefrologia e aborda a necessidade de uma tomada de decisão compartilhada que respeite não apenas os aspectos clínicos, mas também as preferências individuais, os valores
éticos e as considerações legais. Elas enfatizam uma abordagem centrada no paciente, garantindo que todas as partes envolvidas estejam adequadamente informadas, apoiadas e capacitadas para tomar decisões que afetam profundamente a vida e a dignidade dos pacientes com doença renal.
Nas seções a seguir, exploraremos os principais pontos dessas diretrizes, destacando a importância da comunicação eficaz, do planejamento antecipado de cuidados e da consideração cuidadosa dos benefícios,
riscos e desejos do paciente. Este documento é um roteiro ético e humanístico para navegar em uma das áreas mais desafiadoras da medicina moderna.
Vamos juntos abordar os 10 tópicos principais deste documento que foi adaptado e interpretado pela nossa equipe do NefroUpdates? 😊
**1. Estabelecer uma Relação para Decisão Compartilhada**
Importante para tratar IRA, DRC 4,5 e 5D. Envolve o paciente e o médico, e pode incluir familiares, responsáveis legais e outros membros da equipe multidisciplinar de saúde. Para isto, é importante termos tempo e saber identificar de forma mais precoce os pacientes e abordá-los, sempre que possível com suporte dos seus familiares e responsáveis legais.
Para estabelecer uma boa comunicação pode-se lançar mão da estratégia "Ask-Tell-Ask", ou "Perguntar-Informar-Perguntar". Esta técnica envolve uma interação de ida e volta entre o profissional de saúde e o paciente, com foco em quatro componentes-chave:
1\. Perguntar a perspectiva do paciente: Isso permite que o profissional de saúde entenda o ponto de vista e as preocupações do paciente, formando a base para uma comunicação personalizada.
2\. Informar a informação: O profissional compartilha a informação ou notícia necessária de maneira clara e compassiva, garantindo o entendimento do paciente.
3\. Perguntar novamente: Em seguida, o profissional procura feedback do paciente para avaliar sua resposta emocional e compreensão da informação fornecida.
Este processo iterativo é particularmente importante no contexto de doenças avançadas, onde é essencial explorar de forma abrangente as necessidades e desejos do paciente. O uso eficaz dessa técnica pode promover a
tomada de decisão compartilhada e garantir que a comunicação seja multidirecional. A técnica está enraizada na compreensão da perspectiva do paciente e no endereçamento de suas respostas emocionais à sua doença e opções de tratamento.
Outra parte desta estratégia é o uso prudente do silêncio, que envolve aprender a ouvir mais e falar menos, sempre partindo da perspectiva do paciente como fundação para a comunicação.
**2. Informar Pacientes sobre Diagnóstico e Opções Terapêuticas:**
Pacientes devem ser completamente informados sobre suas condições, incluindo prognóstico e todas as opções de tratamento. Isso é crucial, especialmente, em casos de doença crítica que necessitam de diálise urgente
Por exemplo: a decisão de não realizar diálise em um paciente que está recebendo múltiplas outras formas de terapia de suporte à vida (como ventilação mecânica ou drogas vasoativas) e cujos familiares estão de acordo pode representar um tratamento discordante.
Da mesma forma que oferecer diálise a um paciente que decidiu renunciar a outras formas de terapia de sustentação da vida pode ser inadequado.
As opções de tomada de decisão compartilhada incluem:
1\) Modalidades de diálise disponíveis e transplante renal, se aplicável;
2\) Não iniciar a diálise e continuar com o manejo médico
3\) Um período limitado de teste de diálise (para avaliar a qualidade de vida e adaptação, especialmente, relacionados aos sintomas de uremia)
4\) Interromper a diálise e receber cuidados de fim de vida.
Há como identificar pacientes com DRC cujo prognóstico é particularmente ruim. Essa população inclui pacientes com duas ou mais das seguintes características:
* Idosos (definidos por estudos de pesquisa que identificam resultados ruins em pacientes com 75 anos ou mais)
* Altos índices de comorbidade (por exemplo, pontuação de 8 ou mais no Índice de Comorbidade de Charlson modificado)
* Deficiência funcional (por exemplo, pontuação na Escala de Status de Performance de Karnofsky \< 40)
* Desnutrição crônica severa (por exemplo, albumina sérica \<2.5 g/dL)
Pacientes nesta população devem ser informados de que a diálise pode não conferir vantagem na sobrevida ou melhorar o status funcional em comparação com o manejo médico sem diálise, e que a diálise envolve encargos
significativos que podem prejudicar sua qualidade de vida.
**3. Para pacientes com e IRA e DRC estágio 5 devemos estimar o prognóstico de acordo com a avaliação global do indivíduo**
As conversas sobre o prognóstico devem ocorrer o mais cedo possível e continuar conforme a doença renal progride. O prognóstico deve ser avaliado e debatido, reconhecendo que, embora a previsão da sobrevida
individual seja incerta, é possível identificar tendências com base em dados estatísticos de grupos similares de indivíduos.
Abaixo temos os índices prognósticos na NEFROLOGIA 😊
Veja também nosso vídeo de como usar na prática 😊
* KFRE 4 ou 8 variáveis([link](https://kidneyfailurerisk.com/)) original ou [CalcAtual ](https://www.nefroatual.com.br/calculadoras/calcatual)(simplificado já com CKD-EPI)
* Charison Comorbidity Scoring System - Estima sobrevida em diálise após 1 e 2 anos ([link](http://touchcalc.com/calculators/cci_js))
* Rein index - Mortalidade em 3 meses após início de HD ([link](https://qxmd.com/calculate/calculator_286/3-month-mortality-in-incident-elderly-esrd-patients?token=YVAlYIqox5IdNuHB2cFRhi05KUm4kLBWqxJveRgJAv9NpR%2B2VLmYDQmhEq3ZrnqMj9hRYYV4NjwS2KCz4M998R3WfuDYpuKIyzEkDGEvK1yWy4DnVt%2FC5sxseccXcGhpxkvpLjp10uN%2BYIRBOBnfxE0LRvz9kCpSt071beRcIjGhUvbtZskrziqjXOdsKjQfwRAiUMxK4fBVcRakB7LRVzn3fr6UcYLAASF5wLNhNdn65sslVJcUzFD0Zw4gJxyli6EhHvyhe%2BiK6ZowGE5FnFDCK3xwVLPoZ7wVwMZKEEmwkYQ2aB%2Bq6pSoPZ%2B%2BGK5j1iCQeJ0OUYCp7xpVFbWNAOiDQfYI3nC4yZsX8n7OPin0XESH%2BMyj1rbw7IHyEjsz7kp%2FOnNyhbpmONmIcvdl8FdT56%2BlmNA8cb%2Ftos62tgA%3D))
* Cohen Mortalidade 6 meses em HD ([link](https://qxmd.com/calculate/calculator_135/6-month-mortality-on-hd))
**4. Planejamento de Cuidados Antecipados:**
O planejamento antecipado de cuidados facilita a compreensão do paciente sobre sua condição e auxilia na preparação para decisões que podem ser necessárias no futuro. Este processo envolve discussões com a família e a criação de diretrizes prévias que refletem as preferências do paciente.
Para aqueles em diálise crônica, é imperativo que a equipe multidisciplinar promova o diálogo entre o paciente, seus familiares e o planejamento antecipado de cuidados. Deve-se nomear um membro da família responsável para assegurar que o planejamento antecipado seja ofertado ao paciente. É essencial que pacientes com capacidade de decisão sejam incentivados a discutir seus desejos com seus representantes legais, enquanto ainda possuem a capacidade de fazê-lo, para que esses representantes possam tomar decisões alinhadas com as vontades do paciente.
A equipe de saúde deve esforçar-se para obter diretivas antecipadas documentadas por escrito de todos os pacientes em regime de diálise, as quais devem ser devidamente registradas em prontuário médico
**5. Decisão de Não Iniciar/Interromper a Diálise:**
Existem circunstâncias nas quais pode ser considerado adequado não iniciar ou interromper a diálise. Essas circunstâncias incluem:
* Pacientes com plena capacidade decisória que, após serem completamente informados e com compreensão das implicações, optam voluntariamente por recusar a diálise ou solicitar sua interrupção.
* Indivíduos que perderam a capacidade de tomar decisões e que previamente expressaram o desejo de recusar a diálise, seja através de diretivas antecipadas verbais ou documentadas.
* Pacientes sem capacidade de decisão cujos representantes legais autorizados decidem contra o início ou a continuidade da diálise.
* Pacientes com dano neurológico profundo e irreversível que resultou na perda de cognição, sensação, comportamento intencional e consciência de si e do ambiente.
Em tais situações, as decisões devem sempre ser tomadas com consideração criteriosa do bem-estar do paciente, suas vontades expressas e os melhores interesses clínicos conforme determinado pela equipe médica e representantes legais.
**6. Avalie suspender a diálise para pacientes com IRA ou DRC que tenham um prognóstico muito ruim ou para quem a diálise não possa ser fornecida com segurança.**
Considerar não realizar diálise em pacientes com prognóstico muito ruim ou em situações em que a diálise não pode ser realizada com segurança:
* Pacientes incapazes de cooperar (por exemplo, paciente com demência avançada que retira as agulhas de diálise) ou porque a condição do paciente é muito instável (por exemplo, hipotensões graves)
* Aqueles que têm uma doença terminal por causas não-renais (reconhecendo que alguns nesta condição podem perceber benefícios e optar por realizar a diálise).
* Aquele abordados no item 2.
**7. Avaliar Tempo Limitada de Diálise**
É recomendável considerar uma diálise com tempo reduzido para pacientes com prognóstico incerto ou quando não há consenso sobre a segurança da diálise.
Caso se decida por essa abordagem, é essencial que haja um acordo prévio entre todas as partes envolvidas — incluindo a equipe médica, o paciente e, quando aplicável, o representante legal — sobre a duração do período de teste com tempo reduzido e os critérios específicos que serão monitorados (como a melhora de sintomas como: náuseas, dispneia, prurido e alterações no nível de consciência). Ao término do período estabelecido, deve-se realizar uma avaliação cuidadosa para determinar se a diálise trouxe benefícios substanciais ao paciente e se seu prosseguimento é justificado.
**8. Estabeleça uma abordagem sistemática para resolução de conflitos se houver discordância sobre qual decisão deve ser tomada em relação à diálise**
Conflitos podem ocorrer entre o paciente/responsável legal e a equipe de cuidados paliativos sobre se a diálise beneficiará o paciente. Conflitos também podem ocorrer dentro da equipe da nefrologia e outros profissionais de saúde.
Se a diálise for indicada emergencialmente, ela deve ser fornecida enquanto se busca a resolução do conflito, desde que o paciente ou responsável legal a solicite.
**9. Cuidados Paliativos Eficazes**
É fundamental disponibilizar serviços de cuidados paliativos a todos os pacientes que enfrentam IRA ou DRC, com uma gestão abrangente que cubra os aspectos físicos, psicológicos, sociais e espirituais, bem como o suporte necessário para cuidados no fim da vida.
Esses serviços são pertinentes não só para aqueles que optam pela diálise, mas também para indivíduos que decidem não iniciar ou interromper tal terapia.
Com autorização do paciente, a equipe multidisciplinar devem estar engajados no cuidado holístico desses pacientes. Essa abordagem colaborativa é crucial para o manejo eficaz e compassivo dos sintomas físicos e
psicológicos, que devem ser avaliados sistematicamente e tratados proativamente para assegurar o máximo de conforto e qualidade de vida possível.
É de suma importância que os pacientes tenham a liberdade de escolher o local onde desejam passar seus momentos finais. Além disso, é imprescindível proporcionar um suporte abrangente às famílias dos pacientes,
incluindo serviços de assistência ao luto. Para aqueles em diálise cujo principal objetivo do tratamento é o conforto, as métricas de qualidade de cuidado devem ser adaptadas para refletir essa prioridade, diferenciando-se das metas estabelecidas para pacientes que buscam terapias em lingo prazo (por exemplo, a importância do Kt/V pode ser relativizada em favor do conforto do paciente).
**10. Comunicação Sistemática:**
Adotar uma abordagem sistemática na comunicação sobre diagnóstico, prognóstico, opções de tratamento e metas de cuidados é crucial, integrando informações médicas às realidades emocionais, sociais e espirituais
do paciente. Uma comunicação eficaz é fundamental para facilitar a adaptação dos pacientes à doença, promover a adesão ao tratamento e elevar a satisfação dos pacientes e suas famílias com o cuidado recebido.
As informações devem ser transmitidas de maneira compreensível, permitindo que pacientes e familiares façam escolhas informadas sobre as opções de diálise e transplante.
Programas de formação médica devem incluir treinamento específico para capacitar nefrologistas no desenvolvimento de habilidades comunicativas efetivas e empáticas, vitais para o atendimento adequado a essa grupo de pacientes.