Este foi o questionamento dos autores do estudo “Anticoagulação Regional com Citrato versus Não Anticoagulação para Terapia contínua em pacientes com insuficiência hepática e risco aumentado de sangramento” que foi publicado no CJASN em 2023 ([link](https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37990929/)).
Qual a relevância desse tema?
De fato, o KDIGO de IRA de 2012 ressalta que a anticoagulação regional com citrato deve ser considerada como de primeira linha para Terapia contínua em sem contraindicação. No entanto, inclui a Insuficiência hepática grave com uma das potenciais contraindicações. Na prática, para estes pacientes é realizada diálise sem anticoagulação. Pacientes com doença hepática apresentam risco teórico de menor metabolização do citrato (avaliado por meio da relação cálcio total/iônico >2.5). Em estudo prévio o acúmulo foi de 12% não diferente do encontrado nos pacientes sem doença hepática.
Como base neste dados foi conduzido um estudo aberto, randomizado e controlado em Xijing, China para avaliar a eficácia e segurança do uso de citrato em pacientes hepatopatas em relação à diálise contínua sem anticoagulação.
Foram incluídos pacientes >18 anos com doença hepática (crônica ou aguda) que necessitavam de terapia de substituição renal contínua e que apresentavam alto risco de sangramento que foi definido como:
* Plaquetas \< 40.000/mm3
* Tempo de tromboplastina parcial ativada >60 s
* INR >2,0
* Sangramento recente ou ativo
* Trauma ou cirurgia recente
* AVC recente, malformações arteriovenosas intracranianas ou aneurismas ou hemorragia retiniana
O desfecho primário avaliado foi patência do dialisador em 72 horas. Os desfechos secundários foram:
* Complicações hemorrágicas
* Acúmulo de citrato
* Hipercalcemia
* Hipocalcemia
* Alcalose grave
* Acidose metabólica
Resultados
Foram incluídos 90 pacientes no estudo, 45 em cada grupo.
Os participantes randomizados para o grupo sem anticoagulação tiveram uma taxa de falha de filtro significativamente maior (56% versus 27%, P=0,003).
A análise cumulativa taxas de falha do filtro em 24, 48 e 72 horas dos grupos sem anticoagulação e anticoagulação regional com citrato foram 31%, 58% e 76% e 11%, 23% e 35%, respectivamente. Figura abaixo mostra a análise
da função de incidência cumulativa de falha de filtro.
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Durante a diálise, apenas dois participantes do grupo sem anticoagulação tiveram sangramento maior (P=0,49). O pH, excesso de bases e pressão arterial média não foram significativamente diferentes em quase todos os momentos durante
diálise exceto às 30 horas. Os dois grupos não foram significativamente diferentes na alteração da bilirrubina total, ALT e AST, uso de vasopressores e no aumento da dose de vasopressores durante a sessão ou no tempo de unidade de terapia intensiva; e tempo de internação.
As complicações mais observadas estão descritas na tabela abaixo:
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De fato, houve mais acúmulo de citrato, hipocalcemia e alcalose no grupo que foi submetido à anticoagulação.
Na discussão os autores relatam que houve maior tempo de patência dos filtros e que os pacientes não apresentaram intoxicação CLÍNICApor citrato e que a maioria deles (73%) apresentaram rápida correção após
ajuste da taxa infusão de cálcio. Citam também que mesmo que não tenha acontecido complicações graves com a Hipocalcemia observada, ela é prevalente e deve ser monitorizada com mais atenção.
As forças dos estudo são que foi o primeiro ensaio controlado e randomizado nesse contexto específico e que os resultados demonstram um claro benefício no prolongamento da vida útil do filtro com anticoagulação de citrato, baixa incidência de complicações hemorrágicas, mesmo em um contexto de alto risco.
As limitações do estudo são a impossibilidade de cegamento, ter sido unicêntrico e que não foi explorado o impacto da anticoagulação com citrato sobre os desfechos a longo prazo dos pacientes
Opinião Nefroatual:
Este estudo aumenta a compreensão do uso da anticoagulação com citrato em pacientes críticos com doença hepática, evidenciando que tal prática pode aumentar a durabilidade do filtro na diálise contínua. Essa
abordagem se mostra eficaz, especialmente em contextos em que o risco de sangramento é uma preocupação preeminente. No entanto, é fundamental um monitoramento rigoroso dos níveis de cálcio, dado o aumento do risco de hipocalcemia. A aplicação prática desses achados requer uma equipe atenta e protocolos bem definidos para a correção da hipocalcemia, assegurando a segurança do paciente e a efetividade da terapia de diálise.
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