A injúria renal aguda (IRA) é comum no paciente cirrótico hospitalizado e é uma complicação associada de
forma independente com o aumento da morbimortalidade.
A IRA e a terapia renal substitutiva (TRS) no paciente cirrótico possuem algumas particularidades e um
artigo publicado no CJASN em março deste ano de 2024 ([link aqui](https://journals.lww.com/cjasn/fulltext/9900/krt_in_patients_with_aki_and_cirrhosis.362.aspx)), trouxe a experiência de um centro norte-americano, ressaltando alguns pontos interessantes sobre esse tema:
* O diagnóstico da disfunção renal pode ser perdido ou subestimado, visto que o valor da creatinina é influenciado
pela sarcopenia comumente observada nos pacientes cirróticos. Por esse ponto, uma alternativa é utilizar a Cistatina C para se estimar de forma mais fidedigna a função renal e realizar o diagnóstico da IRA.
* Deve-se ter uma atenção especial à volemia nos pacientes cirróticos. É recomendado utilizar aspectos clínicos e
exames complementares, como ultrassom e/ou radiografia para melhor compreensão do status volêmico. Na presença de sinais de hipervolemia, é contraindicada a reposição de albumina endovenosa em conjunto com vasoconstritores, devendo-se avaliar o início de diureticoterapia e considerar TRS.
* Como já comentamos, devido à sarcopenia e, especialmente no contexto de hipervolemia, o grau de disfunção
renal pode ser subestimado nos pacientes cirróticos. Por isso, é difícil distinguir nos pacientes com IRA o quanto a uremia pode ser um dos componentes para a encefalopatia. Logo, apesar da ausência de fortes evidências para essa recomendação, no paciente com IRA e encefalopatia grave refratária ao tratamento medicamentoso, deve-se considerar TRS.
* É comum observar hiponatremia grave nos pacientes cirróticos com ascite refratária e, por sua fisiopatologia
subjacente, esse distúrbio hidroeletrolítico pode ser exacerbado pela diureticoterapia. No contexto do pré-transplante hepático pode haver benefício de se iniciar TRS precoce visando corrigir a hiponatremia antes do procedimento cirúrgico.
* A baixa tolerância hemodinâmica à TRS é um problema comum para os pacientes cirróticos, especialmente no contexto de falência de múltiplos órgãos. Por isso, a terapia contínua se destaca como uma modalidade que permite melhor controle volêmico e a melhor estabilidade hemodinâmica nestes pacientes (veja mais sobre anticoagulação nesta população). A hemodiálise prolongada geralmente é recomendada na transição entre o método contínuo e o intermitente.
No entanto, para os pacientes cirróticos que não são candidatos ao transplante hepático, devido ao seu prognóstico reservado, é controverso quem são os pacientes em que deve-se iniciar TRS. Na ausência do benefício de sobrevida em se iniciar ou manter o suporte dialítico, o foco do tratamento deve ser conforto e qualidade de vida.
Alguns pontos que podem ser utilizados para se considerar um “trial” de diálise em um paciente não candidato a transplante hepático são:
1. O paciente tolerar realizar diálise em regime ambulatorial;
2. Possibilidade da disfunção hepática e/ou renal melhorar;
3. Paciente cuja a elegibilidade para transplante pode mudar no futuro;
Na presença de algum desses três pontos, pode-se iniciar TRS e avaliar se está de acordo com o plano traçado, na ausência de benefício e/ou se prejuízo à qualidade de vida do paciente, deve-se considerar a suspensão do “trial”.