A escolha do acesso vascular para um paciente em hemodiálise pode ser desafiadora em alguns cenários clínicos, especialmente quando se trata de pacientes idosos com vaculopatia.
Em pacientes jovens e com poucas comorbidades, a fístula arteriovenosa (FAV) é reconhecidamente superior à fístula com enxerto/prótese (PTFE), conforme preconizado pela campanha "**Fistula First**" da National Kidney Foundation, iniciada em 2006.
Contudo, em pacientes com elevado risco de falência ou não maturação da FAV, surge a discussão sobre a melhor escolha do acesso: FAV ou PTFE?
Pacientes idosos com perfil de elevado risco cardiovascular e doença arterial periférica apresentam maior probabilidade de não maturar a FAV, o que pode levar a uma dependência prolongada de cateter de hemodiálise e
a múltiplos procedimentos cirúrgicos/percutâneos para promover a maturação e patência da FAV.
Estudos observacionais mostram que a estratégia de maximizar a confecção de FAV pode resultar em aumento de custos e necessidade de múltiplas abordagens, em comparação com uma abordagem mais seletiva que identifica corretamente os pacientes candidatos à confecção de uma PTFE.
O artigo intitulado "Effects of a More Selective Arteriovenous Fistula Strategy on Vascular Access Outcomes" publicado no JASN ([link](https://journals.lww.com/jasn/Abstract/9900/Effects_of_a_More_Selective_Arteriovenous_Fistula.152.aspx)) em 04 de Julho de 2023 trouxe mais informações para ajudar na nossa decisão clínica.
Foi um estudo de mundo real que foi conduzido em um centro acadêmico na Universidade de Alabama em Birmingham, que possui um programa de intervenção formado por nefrologistas, radiologistas e cirurgiões. O estudo incluiu pacientes que iniciaram hemodiálise com cateter (CVC) e foram encaminhados para confecção de FAV ou PTFE.
O estudo foi dividido em dois períodos.
No **Período 1**, todos os pacientes que iniciavam hemodiálise eram encaminhados para confecção de FAV de forma menos seletiva ("Fistula First"), realizando FAV na maioria dos pacientes com anatomia vascular adequada, independentemente das características do paciente.
No **Período 2**, a estratégia foi modificada devido à alta taxa de falência de maturação das FAV no Período 1. Assim, nos pacientes em que os médicos (nefrologistas e cirurgiões) julgavam que a maturação da FAV seria
improvável, optou-se pela confecção de PTFE.
As decisões sobre confecção de FAV ou PTFE não se basearam em critérios únicos, mas consideraram informações demográficas, comorbidades cardiovasculares e diâmetro dos vasos no ultrassom.
Os objetivos centrais do estudo foram avaliar se a mudança de estratégia:
1. Reduziu a necessidade de intervenções nos acessos vasculares,
2. Reduziu o custo anual relacionado a procedimentos cirúrgicos/percutâneos e
3. Reduziu o tempo de dependência de CVC durante o seguimento.
**Resultados**:
No período de 2004 a 2019, foram analisados 692 pacientes, sendo 408 no Período 1 (2004-2012) e 284 no Período 2 (2013-2019). Os pacientes analisados nos dois períodos apresentaram características semelhantes em
relação à diabetes, doença coronariana e doença vascular periférica.
No Período 1, 72% dos pacientes fizeram FAV e 28% PTFE. No Período 2, esses números mudaram para 59% de FAV e 41% de PTFE (p\<0,001). Os pacientes do Período 2 eram mais jovens (51 vs. 61 anos, p\<0,001), tinham
menos diabetes (48% vs. 64%, p=0,007) e menos doença vascular periférica (10% vs. 25%, p\<0,001).
Os preditores para a confecção de PTFE foram \*\*idade \*\*(OR 1,3; IC 95%, 1,14-1,46), **sexo feminino** (OR 2,19; IC 95%, 1,55-3,08), **doença vascular periférica** (OR 2,12; IC 95%, 1,30-3,47) e o **Período 2** (OR 2,2; IC 95%, 1,36-3,66).
A comparação entre os períodos mostrou um aumento da confecção de PTFE de 28% para 41%.
Três grandes mudanças foram observadas com a mudança de estratégia:
1. Redução na frequência anual de procedimentos no acesso vascular em quase 25%.
2. Redução de custos relacionados aos acessos vasculares em quase 50%.
3. Redução de 11% no período de dependência de CVC.
#### OPINIÃO NEFROUPDATES
Como sabemos, a FAV é geralmente a melhor opção de acesso vascular para hemodiálise. No entanto, este estudo destaca a importância de uma abordagem mais seletiva na confecção de FAV em pacientes com alto risco de
falência de maturação, como os mais idosos com comorbidades cardiovasculares.
Evitar a confecção de FAV de forma indiscriminada nesses pacientes pode reduzir a necessidade de procedimentos relacionados e os custos associados, além de evitar múltiplas abordagens em pacientes fragilizados. Portanto, uma abordagem individualizada, considerando as características de cada paciente, é essencial para a tomada de decisão entre FAV ou PTFE.
Ao evitar seletivamente a confecção de FAV em pacientes com alto risco de falência, pode-se reduzir a necessidade de procedimentos relacionados e os custos associados, além de evitar múltiplas abordagens em
pacientes tão fragilizados. Assim, seria uma mudança da abordagem "Fistula First" para "Right access in the right patient at the right time".
Desta forma, o nefrologista deve conversar ativamente com o cirurgião vascular para decidir o tipo de acesso vascular. Diante de um paciente mais idoso, portador de DAOP e com alto risco de não maturação da FAV,
devemos considerar a confecção de PTFE em vez de insistir em uma FAV.
Em resumo, pacientes de alto risco de falência de maturação (mais idosos e com comorbidades cardiovasculares) devem ser considerados para receber PTFE, enquanto pacientes mais jovens e com baixo risco devem receber
FAV preferencialmente, seguindo as orientações do guideline de acesso vascular do KDOQI 2019.