Manejo de pacientes com rim único: que cuidados devemos tomar ao orientar um o paciente?
Pacientes com rim único submetidos à nefrectomia apresentam risco relativo de desenvolver doença renal
crônica estágio 5 (DRC 5) cerca de 3-5 vezes apesar de o risco absoluta ainda ser baixo.
As glomerulopatias parecem ser as principais causas de DRC 5 nos primeiros 10 anos após a nefrectomia e após isto, as principais causas passam a ser hipertensão e diabetes.
As adaptações fisiológicas que ocorrem no rim único levam ao aumento da taxa de filtração glomerular em cada
néfron remanescente (hiperfiltração) que ocasiona em longo prazo lesão podocitária e glomeruloesclerose. Esta lesão e sua progressão da estão relacionados a fatores intrínsecos ainda não muito bem estabelecidos como
fatores genéticos. Adicionalmente, fatores ambientais e comportamentais também estão envolvidos no processo de hiperfiltração como: alta ingesta proteica, obesidade, hipertensão e tabagismo.
Neste texto, vamos resumir as principais causas de rim único, a fisiopatologia resumida da lesão renal por
diminuição do número de néfrons e vamos focar nas principais medidas que podemos lançar mão para mitigar o
processo de progressão da DRC para estágios mais avançados.
As principais causas de rim único são:
* Agenesia renal congênita (1:1000 nascidos vivos) – principal causa
* Nefrectomia renal unilateral
* Doação renal
* Neoplasia
* Trauma
* Pionefrose
Fisiopatologia resumida
A TFG se correlaciona diretamente com o número de néfrons e pode variar com a idade, sexo e composição corporal. A perda de néfrons usualmente não causa queda da TFG já que há mecanismos adaptativos (hiperfiltração).
Porém, em estudos com doadores renais \< 60 anos, a hiperfiltração não consegue compensar totalmente a massa
renal perdida e TFG pós doação apresentando elevação compensatória de cerca de 65-70%.
Imediatamente após a nefrectomia, o rim contralateral aumenta o volume plasmático efetivo, o coeficiente de
ultrafiltração e a pressão hidrostática. Estes mecanismos levam ao aumento da TFG em cada néfron remanescente, hiperfluxo e aumento da TFG global. Há hipertrofia e hiperplasia dos constituintes do néfron com aumento do volume renal global (rim vicariante).
Porém, em longo prazo, especialmente, quando há outros fatores associados que agravam a hiperfiltração, há injúria podocitária e perda da seletividade da barreira de filtração com posterior proteinúria, assim como hiperplasia do endotélio glomerular e proliferação mesangial com glomerulomegalia. Por fim, estas alterações levam à glomeruloesclerose, queda da TFG e progressão da DRC.
Então, quais os cuidados que devemos tomar para evitar esta progressão?
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Intervenções não farmacológicas:
a) Dieta hipoproteica: dietas com alto conteúdo de proteínas estão associados à vasodilatação da arteríola aferente e, Consequentemente, ao aumento da hiperfiltração e dano renal. Em estudo populacional que acompanhou por 12 anos cerca de 1500 pacientes com TFG média de 84mL/min, cada 1g/dia de proteína esteve associado ao risco 78% maior de desenvolver DRC estágio 3.
A qualidade da proteína também parece ter efeito sobre a progressão da DRC. Em estudo observacional, mulheres com TFG entre 55 e 80mL/min/1,73m2apresentaram perda adicional de 1.2mL/min/1,73m2 para cada 10g de proteínaanimal não lácteas.
A dieta de escolha para pacientes com rim único deve ser a DASH diet, baseada em frutas, vegetais, assim como
grãos e laticínios com baixo teor de gordura (evitar proteína animal, gordura saturada, grãos refinados, doces e alimentos processados). Apesar de não haver estudos controlados, o valor de proteína aceitável seria em torno 1g/Kg/dia.
b) Dieta hipossódica: segundo a recomendação do KDIGO de DRC 2023, a ingesta de sódio não deve ser acima de 2g ao dia ou 5g de NaCl. O sódio causa lesão vascular direta mesmo em pacientes normotensos e pode levar à hiperfiltração
glomerular.
c) Controle do peso : doadores renais obesos apresentam risco de 86% maior de desenvolver DRC 5 em 20 anos quando comparados à doadores não obesos e o risco em pacientes com sobrepeso é 7% maior para cada 1kg/m2 acima do IMC de 27 Kg/m². Ou seja, é recomendado que seja mantido o paciente com IMC \< 30 Kg/m² preferencialemtne, \< 25 Kg/m².
d) Ingesta hídrica adequada: Há relação inversa entre o consumo de água e a trajetória da função renal e proteinúria, tanto em estudos experimentais quanto em estudos observacionais em humanos. Este efeito está possivelmente relacionado à menor ação da vasopressina no ducto coletor já que altos níveis deste hormônio está
relacionado à maior albuminúria. A sugestão é a ingesta de pelo menos 2,5L de água ao dia. Lembrar de ter cuidado em pacientes sob risco de hiponatremia.
e) Suspensão do tabagismo: Pacientes tabagistas apresentam risco 75% maior de desenvolverem DRC em 15 anos quando comparados aos indivíduos não tabagistas. Este risco é atenuado em ex-tabagistas para 45%.
f) Atividade física: para doadores renais, a implementação de atividade física esteve relacionado ao melhor controle do peso e melhor saúde mental.
Intervenções Farmacológicas:
a) Controle pressórico: os níveis de renina, angiotensina e aldosterona, assim como a monitorização da PA em 24h não alterados após a nefrectomia. Desta forma, não há recomendação formal para uso de medicamentos anti-hipertensivos de forma profilática nos pacientes com rim único. Não há estudos avaliando especificamente o controle pressórico alvo em pacientes nefrectomizados. No entanto, já que pacientes com rim único são considerados como portadores de DRC independente da TFG ou albuminúria, que eles apresentam maiores chances de progredirem para DRC 5 e que os mecanismos de adaptação envolvem a hiperfiltração, pode-se ter como meta pressórica abaixo de 130 x 80mmHg. A droga preferida são os iECA/BRA.
b) Drogas anti-proteinúricas: os IECA/BRA promovem efeitos renoprotetores e anti-proteinúricos, independentes do controle pressórico, e são as drogas de escolha para pacientes com proteinúria e rim único. Os estudos que avaliaram o uso dos iSGLT2 nos pacientes com DRC contemplaram doentes com rim único e, desta forma, esta classe de drogas também pode ser utilizada para controle anti-proteinúrico e para diminuir a progressão da DRC. Vale ressaltar o uso cauteloso desta medicações devido seu efeito hemodinâmico inicial, especialmente, na presença de doença aterosclerótica aórtica e renal, sempre tendo como parâmetro de segurança a elevação da creatinina em até 30% e o cuidado para instituir esta terapia dupla (IECA/BRA + iSGLT2) de forma sequencial e não ao mesmo tempo.
Pacientes com rim único devem ser avaliados pelo menos uma vez ao ano para ser monitorizados quanto o
surgimento ou agravamento de fatores de riscos associados à progressão da doença, assim como, para avaliar a estrutura do rim vicariante e a possibilidade de recorrência da doença de base (litíase, neoplasia).
Confere mais dicas aqui ([link](<https://www.kireports.org/action/showPdf?pii=S2468-0249%2819%2931401-9 >))