Com o aumento da idade materna e o crescimento da obesidade e da diabetes, espera-se um aumento da prevalência de gestação em pacientes com doença renal crônica (DRC).
Como as pacientes grávidas com DRC costumam possuir uma grande variedade de doenças de base, estágios e outros tratamentos concomitantes, a extrapolação da fisiopatogênese da anemia na gestação de baixo risco para as gestantes com DRC não é simples. No entanto, de forma semelhante às gestações em geral, o maior foco no tratamento da anemia está na reposição de ferro. Um comentário publicado no Kidney International Reports esse mês trouxe algumas discussões detalhadas sobre esse tema ([link aqui](https://www.kireports.org/article/S2468-0249\(24\)01602-4/fulltext)).
Na gestação, há uma aumento das necessidades de ferro por:
* Expansão da massa eritrocitária;
* Necessidades do feto;
* Formação de estoques de ferro no sistema reticuloendotelial da placenta;
Enquanto que na gestante com DRC, habitualmente já há uma tendência a um cenário de baixos estoques de ferro por alguns motivos:
* Frequentes coletas de exame de sangue;
* Possíveis perdas ocultas de sangue em fezes por uso de aspirina como profilaxia de pré-eclâmpsia;
* Restrições em relação à ingestão de proteína animal (que é rica em ferro);
* Baixa absorção de ferro por aumento dos níveis de hepcidina no paciente com DRC avançada;
E como se faz a reposição de ferro nessas pacientes?
Essa não é uma resposta fácil. Apesar da via oral não possuir contraindicações, a intolerância gastrointestinal por náuseas ou constipação é frequente, com um alto risco de baixa aderência. Já a administração endovenosa requer cautela, uma vez que a ocorrência de reações alérgicas podem induzir bradicardia fetal. Por conta disso, é aconselhável um monitoramento durante a infusão, mesmo com as novas preparações (como a carboximaltose férrica), nas quais as reações alérgicas são consideradas excepcionais.
Os riscos relacionados a esses tratamentos devem ser contrabalanceados com os riscos associados a uma anemia não controlada:
* Aumento de complicações gestacionais, como prematuridade, feto pequeno para idade gestacional;
* Complicações relacionadas à DRC, como perda de TFG, necessidade de diálise e, se paciente transplantada, perda de enxerto renal;
O artigo defende uma perspectiva “de menos é mais” e sugere uma abordagem que pode trazer benefícios sem adicionar riscos:
1. Primeiro passo - pré-concepção:
1. A gestação na paciente com DRC deve ser idealmente programada e, ainda nessa fase pré-gestacional deve-se dosar estoques de ferro, vitamina B12, ácido fólico, provas inflamatórias, vitamina D e hormônios tireoidianos, realizando correção dessas alterações metabólicas e otimizando ao máximo os níveis de ferritina (manter entre 100 e 500 microg/l na ausência de inflamação).
2. Segundo passo - primeiro trimestre:
* Deve-se iniciar reposição de ferro via oral independentemente da presença de anemia, além de corrigir outras
possíveis deficiências, como ácido fólico e/ou vitamina B12.
* O manejo da anemia através de estratégias nutricionais é essencial durante toda a gestação, evitando-se
“erros nutricionais” e ingestão de alimentos “vazios”.
3. Terceiro passo - segundo e terceiro trimestre:
* Deve-se manter a reposição de ferro via oral, monitorando se os estoques de ferro estão adequados.
* Entre as semanas 12 e 34 provavelmente é o melhor momento para reposição de ferro endovenoso, visto que
termina o primeiro trimestre em que há preocupação com o efeito teratogênico (em modelos animais) e ainda não iniciaram as últimas semanas, em que maiores níveis de ferro podem induzir estresse oxidativo no nascimento.
4. Quarto passo - após a gestação:
* Deve-se manter uma alimentação variada, reposição de vitaminas, sendo permitida novamente uma abordagem liberal relacionada ao uso de ferro endovenoso.
A imagem abaixo resume essas sugestões de abordagem da anemia pela fase gestacional:
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Opinião Nefroatual:
Artigo interessante por mostrar um ponto de vista sobre os riscos da reposição de ferro endovenosa na gestação
que habitualmente não nos questionamos, trazendo uma reflexão sobre os riscos e benefícios que essa terapia pode ter, assim como momentos-chave para uma reposição mais segura. Além disso, reforça a importância de uma gravidez planejada para essa população de alto risco.