A diálise é essencial para remover toxinas e moléculas hidrossolúveis (especialmente de baixo peso molecular) do sangue em um contexto de injúria renal aguda ou crônica. No entanto, apresenta limitações, como a incapacidade de eliminar toxinas maiores, drogas ligadas a proteínas, patógenos, células e moléculas não hidrossolúveis, como as citocinas inflamatórias. Nesse contexto, a hemoadsorção surge como uma abordagem terapêutica promissora, especialmente em cenários específicos como sepse e intoxicações.
Ao longo do ano de 2024 foram lançadas revisões (link 1, abaixo) e consensos (links 2 e 3, abaixo) sobre o tema, vamos resumir o que tem na literatura até agora?
**O que é a Hemoadsorção?**
A hemoadsorção é uma técnica de remoção extracorpórea de moléculas que se baseia no princípio de adsorção, sendo importante para a eliminação de moléculas que não podem ser removidas pelos métodos difusos e convectivos da diálise tradicional. São utilizados cartuchos de sorvente hemocompatível ou membranas modificadas que removem substâncias do sangue ou plasma, ligando-se a toxinas por forças de Van der Waals, interações hidrofóbicas e/ou ligações iônicas.
**Composição dos cartuchos e capilares**
Os dispositivos de hemoadsorção utilizam diferentes materiais adsorventes, com características específicas para cada aplicação clínica:
1. Cartuchos de Polímeros Revestidos (Cytosorb): Compostos por microesferas de copolímero de poliestireno-divinilbenzeno, altamente porosas e revestidas por polivinilpirrolidona (PVP), possuem uma alta área superficial para adsorver moléculas hidrofóbicas. Podem ser utilizados principalmente em pacientes sépticos para remover citocinas inflamatórias, como IL-6 e IL-8, mas também para remoção de drogas, como os novos anticoagulantes orais. Um efeito colateral possível é a remoção inadvertida de antimicrobianos, o que requer monitoramento rigoroso.
2. Cartuchos com Polimixina B (Toraymyxin): podem ser utilizados para remover endotoxinas bacterianas, são constituídos de poliestireno revestido com Polimixina B, atuando diretamente na redução da resposta inflamatória na sepse.
3. Membranas de Diálise Modificadas (oXiris e Seraph): A membrana oXiris, feita de acrilonitrila e metilsulfonato (AN69) coberto por polietilenoimina e heparina não fracionada, possui propriedades adicionais para remover simultaneamente endotoxinas e citocinas, sendo útil na injúria renal aguda por sepse. Já o Seraph é utilizado para remover patógenos, incluindo vírus e bactérias, sendo uma opção em cenários de infecções graves.
**Aplicações clínicas**
Embora a evidência ainda seja limitada em muitos contextos clínicos, a hemoadsorção apresenta potencial em diversas situações:
1.Toxicologia: Remoção de substâncias tóxicas como paraquat e organofosfatos. ○ Intoxicação por medicamentos, incluindo novos anticoagulantes orais (apixabana, rivaroxabana, dabigatrana) e antiplaquetários como o ticagrelor.
2.Doenças Hepáticas: ○ Tratamento de prurido grave causado por colestase, com relatos de melhora na remoção de ácidos biliares e bilirrubina.
3.Doenças Renais: ○ Complementar a diálise na remoção de moléculas como beta-2-microglobulina e outras moléculas relacionadas ao prurido da doença renal crônica (DRC).
4.Sepse: ○ Explora-se benefício na sepse através da remoção de endotoxinas, microrganismos e citocinas como uma forma de reduzir a resposta inflamatória sistêmica que exacerbada também pode ser danosa. Neste cenário, podem ser utilizados cartuchos de Polimixina B, dispositivos não seletivos como o Cytosorb ou membranas como oXiris ou Seraph. Defende-se o benefício em um subfenótipo da sepse, em pacientes mais inflamados e maiores níveis de endotoxinas e/ou citocinas inflamatórias, ponto que tem sido explorado nos ensaios clínicos mais recentes como uma forma de melhor seleção dos pacientes que se beneficiariam dessa terapia.
**O procedimento**
Para realizar a hemoadsorção, é necessário um acesso vascular, podendo ser utilizado um cateter ou uma fístula, com fluxo de sangue entre 100 e 250 ml/min (podendo ser definido de acordo com o fluxo adequado para a diálise). A anticoagulação é essencial para manter a patência do circuito, com opções como heparina ou citrato regional, dependendo das condições clínicas do paciente. Essa terapia pode ser realizada isoladamente ou em combinação com máquinas de hemodiálise, plasmaférese, bypass cardiopulmonar e/ou ECMO.
Apesar de alguns artigos sugerirem recomendações como indicação do CytoSorb em pacientes com choque séptico com escore > 8 ([https://cytosorbents.com/cytoscore/](https://cytosorbents.com/cytoscore/)), especialmente dentro das primeiras 12h da admissão, ainda não há protocolos bem definidos sobre o timing e seleção dos pacientes que mais se beneficiariam da hemoadsorção, o tempo de prescrição recomendado e o intervalo entre terapias.
**Opinião Nefroatual**
A hemoadsorção oferece um potencial terapêutico significativo em diversos cenários clínicos, mas ainda há a necessidade de estabelecer diretrizes mais claras sobre a seleção de pacientes e a duração ideal do tratamento. Ensaios clínicos adicionais e a padronização dos protocolos são fundamentais para consolidar essa abordagem na prática clínica.
Referências
Link 1: [https://journals.lww.com/cjasn/pages/articleviewer.aspx?year=2024\&issue=06000\&article=00018\&type=Fulltext](https://journals.lww.com/cjasn/pages/articleviewer.aspx?year=2024\&issue=06000\&article=00018\&type=Fulltext)
Link 2: [https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38621759/](https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38621759/)
Link 3: [https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34209001/](https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34209001/)