Publicado no KI reports em 04 de agosto de 2023 o artigo “Cardiovascular Manifestations and Management in ADPKD” disponível aqui ([link](https://www.kireports.org/action/showPdf?pii=S2468-0249%2823%2901395-5))
A doença renal policística autossômica dominante (DRPAD) é a quarta principal causa de doença renal crônica (DRC) que requer diálise. Manifestações cardiovasculares e seu gerenciamento são de extrema importância
nessa condição. As manifestações extrarrenais resultam de alterações nas células vasculares endoteliais, cardiomiócitos e fibroblastos cardíacos, contribuindo para doenças cardiovasculares precoces em pacientes com DRPAD.
As manifestações cardiovasculares geralmente aparecem por volta da segunda ou terceira década de vida, muitas vezes antes da disfunção renal, e frequentemente são subclínicas, incluindo disfunção endotelial, que
pode levar à hipertensão arterial.
Hipertensão Arterial
A hipertensão é a manifestação cardiovascular mais comum, começando na segunda ou terceira década de vida, muitas vezes antes do aparecimento da doença renal. É importante destacar que pode afetar até 30% dos
pacientes em faixa etária pediátrica. Mulheres com DRPAD em idade fértil merecem atenção especial, pois a hipertensão durante a gravidez aumenta significativamente o risco de pré-eclâmpsia (54% vs. 8%), complicações
materno-fetais (85% vs. 30%) e declínio da função renal.
Como a hipertensão é um fator de risco modificável significativo, é crucial diagnosticá-la e tratá-la precocemente em pacientes com DRPAD. O tratamento inicial envolve medidas não farmacológicas, como restrição de sódio (\<100 mmol/dia), atividade física regular, perda de peso e cessação do tabagismo. Os inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA) são a primeira opção de tratamento, seguidos pelos bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA) caso os iECA não sejam bem tolerados.
Com base no estudo HALT-PKD, que demonstrou benefícios, como redução do crescimento renal, menor hipertrofia ventricular e menor albuminúria, recomenda-se um alvo de pressão mais estrito (95/60 mmHg a
110/75 mmHg) para pacientes com DRPAD, idade \<50 anos, taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) >60 mL/min/1,73m² e classificação Mayo 1C, 1D e 1E. Para a população com DRPAD sem essas características, o alvo pressórico recomendado é ≤130/80 mmHg.
![](</Tabela hipertensão DRPAD.webp>)
Hipertrofia ventricular
A hipertrofia do ventrículo esquerdo (HVE) é uma complicação importante nos pacientes com DRPAD, pois se associa a um risco aumentado de morte prematura e eventos cardiovasculares. Embora a hipertensão seja o
principal fator de risco para HVE, outros fatores, como hiperativação simpática relacionada ao tamanho total dos rins (TKV) e a presença de policistinas (PC-1 e PC-2) nos cardiomiócitos, também desempenham um papel no seu desenvolvimento. A ampla utilização de iECA/BRA e a otimização da terapia anti-hipertensiva têm
contribuído para a redução da prevalência de HVE.
O tratamento da HVE inclui o controle rigoroso da pressão arterial e o uso de iECA/BRA.
![](</Tabela cardíado DRPAD.webp>)
Cardiomiopatia Isquêmica
A cardiopatia isquêmica é uma complicação comum na DRC, embora os dados específicos para a DRPAD sejam limitados. Estudos em populações orientais mostram um risco 2 vezes maior de cardiopatia isquêmica em pacientes com DRPAD em comparação com controles sem a condição. A elevação de angiotensina II e dimetilarginina pode contribuir para o desenvolvimento acelerado da aterosclerose coronariana.
Os pacientes com DRPAD que desenvolvem infarto agudo do miocárdio (IAM) têm maior risco de complicações graves e morte em comparação com aqueles sem a condição ([link](https://karger.com/kbr/article/43/6/1806/187985/Clinical-Manifestation-Management-and-Prognosis-of)). O tratamento da cardiomiopatia isquêmica
segue os princípios gerais, incluindo mudanças no estilo de vida, iECA/BRA, betabloqueadores, ácido acetilsalicílico (AAS), estatinas e revascularização, se necessário.
Outras cardiomiopatias
Cardiomiopatias menos comuns, como cardiomiopatia dilatada idiopática, cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva e miocardiopatia não compactada, também estão associadas à DRPAD. No entanto, não existem recomendações específicas de tratamento para essas condições.
Doenças valvares
Nas fases iniciais da DRPAD, o prolapso da válvula mitral é a alteração valvar mais comum, com uma prevalência de 0 a 26%. À medida que a doença progride, a calcificação das válvulas aórtica e mitral torna-se mais comum. Os pacientes com DRPAD em diálise têm taxas significativas de calcificação das válvulas aórtica e mitral, bem como regurgitação mitral (38%, 28% e 8,6%, respectivamente).
Embora não haja diretrizes específicas de triagem ou tratamento, é importante monitorar essas alterações para avaliar o risco cardiovascular nos pacientes.
Aneurismas intracranianos
Os pacientes com DRPAD têm uma prevalência aumentada de aneurismas intracranianos em comparação com a população geral (9-12% vs. 2-3%), com tendência a desenvolvê-los em idade mais jovem. A ruptura de um aneurisma intracraniano pode resultar em morte em até 60% dos casos.
Os principais fatores de risco incluem histórico pessoal ou familiar positivo, idade, tabagismo e hipertensão. A triagem de aneurismas intracranianos em pacientes sem sintomas deve ser considerada, especialmente para aqueles com histórico pessoal ou familiar positivo. O tratamento deve ser discutido com uma equipe de neurocirurgia após o diagnóstico.
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Outras malformações vasculares
Existem relatos de malformações vasculares, aneurismas e dissecções em outros vasos, como aorta abdominal, artérias carótidas, vertebrais e coronárias. Não é necessário rastrear essas malformações de forma rotineira, mas uma vez diagnosticadas, a discussão com uma equipe de cirurgiões vasculares é essencial.
##### Aprendizados
* As doenças cardiovasculares são a principal causa de mortalidade em pacientes com DRPAD. O controle rigoroso da pressão arterial pode reduzir a progressão da doença e a hipertrofia ventricular, especialmente em pacientes com idade \<50 anos, TFGe >60 mL/min/1,73m² e classificação Mayo 1C, 1D e 1E.
* A DRPAD está associada a um maior risco de doença coronariana, exigindo uma avaliação cardiovascular adequada tanto para prevenção primária quanto para prevenção secundária de eventos cardíacos.
* Apesar da falta de diretrizes específicas de tratamento para algumas complicações cardiovasculares na DRPAD, a intervenção precoce é fundamental para reduzir eventos cardíacos.