É comum que nossos pacientes com doença renal crônica (DRC) e, por vezes, nós mesmos, médicos, tenhamos dificuldade de definir qual o melhor tratamento da falência renal para o nosso paciente.
Muitas vezes nos sentimos desconfortáveis em compartilhar o prognóstico ruim associado à DRC avançada, além de sentirmos receio desse diálogo causar sofrimento ou perda de esperanças ao nosso paciente. Podemos focar apenas nos benefícios da terapia renal substitutiva (TRS). Dessa forma, há perda da oportunidade de termos conversas de alta qualidade e muitos pacientes acabam não sendo informados de modo suficiente sobre as opções de tratamento da falência renal, especialmente sobre o manejo conservador a longo prazo (paliativo) e, muitas vezes, são mantidas expectativas irreais sobre seu prognóstico. Alguns pacientes também relatam que sentem-se pressionados pelos seus médicos a aceitaram a diálise, por preocupação de arrependimento da decisão quando houver indicação de iniciar a TRS.
E como é melhor envolver os pacientes neste processo de decisão? Um editorial publicado no JASN este mês trouxe a seguinte discussão ([link aqui](https://journals.lww.com/jasn/pages/articleviewer.aspx?year=9900\&issue=00000\&article=00312\&type=Fulltext)):
Um estudo norte americano avaliou idosos com mais 70 anos com DRC e demonstrou que a maior parte desses pacientes preferia ter um papel ativo (48%) ou colaborativo (43%) no processo de tomada de decisão. Além disso, os pacientes reportaram a importância de ter mais informações sobre opções de tratamento e o seu prognóstico, assim como os médicos perceberam a importância de compartilhar essas informações. No entanto, houve bastante variação na profundidade, velocidade e abordagem que os pacientes desejaram receber essas informações.
Sem o adequado cuidado em como conversar sobre as opções de tratamento e o prognóstico da doença, assim como em notar como os pacientes recebem essas informações, a ideia pode não ser aceita ou, no pior dos cenários, pode causar danos não intencionais. Portanto, é fundamental transmitir as informações de forma compreensível e significativa. Dessa forma, o médico ganha confiança e respeito dos pacientes por interações que respondem às necessidades e preferências do paciente, consolidando relações fortes entre ambos.
“A comunicação é uma ciência tanto quanto é uma forma de arte”. Dessa forma, assim como a medicina, a comunicação pode ser aprendida e praticada, sendo aperfeiçoada através da observação sistemática e adequado treinamento. Assim, o artigo traz duas ferramentas de comunicação desenvolvidas em cuidados paliativos para ilustrar como podem ser úteis para nós nefrologistas para avaliar os desejos dos pacientes quanto à profundidade e velocidade de obter informações sobre o seu quadro:
Perguntando por permissão (Asking Permission)
Dessa forma o paciente decide se, quando, o que e como desejam que as informações sejam apresentadas para ele, como nos exemplos a seguir:
“Podemos utilizar sua próxima consulta para discutir sobre o que aconteceria se sua doença agravasse?”
“Quem mais precisa fazer parte das nossas conversas sobre as opções de tratamento para a falência renal?”
“Posso compartilhar minha perspectiva médica sobre o que você pode esperar se sua doença renal agravar?”
“Compartilhar minha recomendação tornaria mais fácil para você fazer uma escolha sobre as suas opções de tratamento?"
Caixa de Pandora:
Devido ao significativo estresse psicológico e espiritual que conversas sobre prognóstico ou tratamento da doença renal podem causar, nem todos os pacientes vão querer ter conversas sobre esses tópicos no mesmo momento que os médicos. Dessa forma, em vez de prosseguir com o diálogo ou atrasar até que não possam mais ser evitados, recomendamos ir reconhecendo e normalizando o desconforto dessas conversas e capacitando os pacientes a colocar tópicos difíceis em uma caixa de Pandora figurativa, decidindo os momentos
de abrir ou fechar a caixa, ou seja, as discussões, como nos exemplos a seguir:
“Conversas sobre diálise podem ser muito desconfortáveis. Muitas pessoas odeiam falar sobre isso. Não há problema em colocar o tema da diálise em uma caixa – vamos chamá-la de caixa de Pandora – e colocar uma tampa sobre ela. Guarde a caixa por um tempo. Haverá momentos em que precisaremos retirar a caixa e abri-la, mas você pode tomar as decisões. Quando tiver o suficiente, pode colocar a tampa de volta. Podemos pensar em momentos ou situações em que seria bom abrir a caixa de Pandora?”
“Você se lembra da nossa conversa sobre a caixa de Pandora e quando dissemos que iríamos levá-la sair e abri-lo novamente? Com base no que falamos antes, este pode ser um bom momento para fazer isso.”
Opinião do Nefroatual:
A conversa sobre a doença renal e seu prognóstico não é uma conversa fácil mesmo no paciente jovem. Além disso, quando tratamos de pacientes idosos frágeis com múltiplas comorbidades, deve-se discutir não apenas as modalidades de terapia renal substitutiva, mas incluir discussões sobre a proporcionalidade das terapias dialíticas, sobre diretivas de cuidado e sobre a morte. Diante do envelhecimento da população, espera-se uma maior proporção de idosos com DRC, logo, visando a definição de um plano terapêutico que se encaixa dentro do plano de vida do paciente, a estratégia de “pergunta por permissão” pode nos deixar na mesma profundidade e velocidade de conversa que o paciente precisa e a “caixa de Pandora” pode ser uma estratégia para reabrir discussões em momento oportunos.