Homem de 78 anos em tratamento de hemodiálise por FAV braquiocefálica esquerda há 2 anos apresenta-se na sessão de hemodiálise com hipotensão (pressão sistólica 60-70 mm Hg) sem resposta à reposição volêmica; adicionalmente, apresenta queixa de dispneia e desconforto torácico.
O paciente possui histórico de diabetes mellitus tipo 2, doença coronariana com necessidade de revascularização miocárdica cirúrgica 9 anos antes (ponte mamária interna esquerda para coronária descendente anterior), além de fibrilação atrial em tratamento com varfarina. Apresentava ecocardiograma com fração de ejeção (FE) de 45-50% e estenose valvar moderada (área de 1,3 cm²), com múltiplas internações por dispneia.
O paciente havia sido submetido a angioplastia de FAV devido à estenose da via de saída, procedimento sem
intercorrências. Três dias após o procedimento, evoluiu com intenso desconforto torácico e diaforese; ao exame físico, foi observada distensão jugular, estertores crepitantes bilateralmente e edema de membros inferiores. Os exames complementares evidenciaram elevação de troponina e radiografia de tórax com aumento da área cardíaca e congestão vascular. Repetido ecocardiograma, foi notada FE de 35%, piora da estenose aórtica (área valvar de 0,9 cm²) e ventrículo direito dilatado.
O paciente foi inicialmente manejado com nitroglicerina e morfina e posteriormente houve necessidade de iniciar
vasopressores. Foi submetido a cateterismo cardíaco (CATE) de urgência, sem lesões coronarianas críticas, mas revelando estenose aórtica moderada a severa fixa (área de 1,05 cm²) com componente de pseudoestenose aórtica por componente isquêmico, associado à disfunção sistólica.
Durante o procedimento, foi realizada a oclusão da FAV com manguito do tensiômetro, sendo observada elevação da pressão arterial (e descontinuação da noradrenalina); o débito cardíaco reduziu de 6 L/min para 4 L/min e a área da válvula aórtica reduziu para 0,87 cm², sugerindo estado de alto débito cardíaco. Este achado foi consistente com um componente da estenose pseudoaórtica observada com estenose aórtica de baixo fluxo e gradiente baixo, subjacente à disfunção sistólica do VE, decorrente de uma menor resistência vascular pela fístula patente. Um estado de roubo de fluxo de coronárias pela artéria subclávia foi identificado no cateterismo, com fluxo reverso do contraste observado pela artéria mamária esquerda.
Diante do quadro clínico, o paciente foi submetido a angioplastia com stent de coronárias (artéria marginal)
e ramo distal de coronária direita; além de valvuloplastia da estenose de valva aórtica por meio de balão, porém não foi observado benefício clínico e o paciente persistiu com queixa de desconforto torácico.
Diante da ausência de resposta clínica com angioplastia de coronárias e correção da estenose aórtica, foi aventada a hipótese de que um estado de roubo de fluxo da artéria subclávia esquerda (que alimenta a artéria mamária interna esquerda) era a condição clínica primária responsável pelas manifestações clínicas do paciente. O paciente foi submetido a um bandeamento da FAV, ocorrendo redução do diâmetro da veia de 11 para 6 mm, com descontinuação dos vasopressores em uso e resolução do quadro clínico.
##### Aprendizado com o Caso:
A confecção de uma FAV/prótese para hemodiálise pode gerar inúmeros problemas cardiovasculares, incluindo aumento do débito cardíaco e do fluxo pulmonar. Insuficiência cardíaca de alto débito e síndrome do roubo de fluxo são raras complicações possíveis após criação de uma FAV.
Alterações esperadas após confecção de FAV incluem redução da resistência vascular periférica, aumento da atividade simpática, com aumento da contratilidade cardíaca, e aumento do débito cardíaco; isso gera um estado de aumento do volume arterial, elevação do BNP e causa hipertrofia cardíaca.![](</Fluxograma roubo coronariano 2.webp>)
Um estado de insuficiência cardíaca (IC) de alto débito ocorre quando o paciente desenvolve sintomas de IC e
apresenta índice cardíaco elevado, podendo ocorrer em até 15-17% dos casos após confecção de FAV. Pacientes com IC severa antes da confecção de FAV podem piorar a função cardíaca após criação de uma FAV, sendo esse risco maior para FAV proximais e para FAV com débito elevado (>2 L/min).
Na avaliação dos pacientes, podemos calcular o índice de recirculação cardiopulmonar \[fluxo da FAV (ml/min) ÷
débito cardíaco (ml/min)], um índice >30% é fator de risco para IC de alto débito. Nos pacientes com IC de alto débito secundário à confecção de FAV de alto débito, deve-se considerar o procedimento de bandeamento.
Este caso é interessante pois apresenta um quadro de síndrome de roubo coronariano, já previamente descrito
em pacientes que apresentam FAV no braço ipsilateral ao bypass coronariano (ponte mamária). O interessante foi notar uma rara complicação após angioplastia de FAV, que resultou em IC de alto débito e síndrome de roubo
coronário-subclávio.
Não esqueça dessa dica: paciente com antecedente de revascularização miocárdica cirúrgica (ponte mamária) que
possui uma FAV proximal em MSE de alto débito e que evoluiu com queixa de dor/desconforto torácico durante a diálise com resolução dos sintomas após término da HD, a síndrome de roubo coronariano-subclávio deve ser lembrada.
Confira esse fluxograma de investigação proposto pelo artigo diante de um paciente que evoluiu com estado
hemodinâmico hiperdinâmico após confecção/intervenção em FAV. Relato completo do caso diponível aqui ([link](https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0272-6386\(17\)31067-3))
![](</Fluxograma roubo coronariano.webp>)